Artigo de Carol Fedalto
A expectativa de que a restrição de circulação de pessoas e serviços, causada pela epidemia de Covid-19, se restringisse a um ou dois meses caiu por terra. Por ora, se discute qual será o ‘novo normal’ e quando esse ‘novo normal’ será posto em prática: julho, setembro, dezembro?
O mercado espera que as políticas empregadas para contenção do contágio da epidemia ocasionem maior retração da economia no segundo semestre de 2020 do que no primeiro. Segundo informação disponibilizada pelo IPEA[1], prevê-se o encolhimento da economia em 6% este ano, com retração de 10,5% apenas no segundo semestre.
O projeto de lei nº 1.179/2020, transformado no dia 10/06 na Lei nº 14.010/2020, previu a instituição de um “regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de direito privado no período da pandemia do corona vírus”, versando sobre o congelamento dos prazos de prescrição de decadência, a possibilidade de realização de assembleias gerais por meio eletrônicos, e outras matérias de igual importância.
Foram realizados, entretanto, dois vetos na matéria imobiliária que merecem atenção.
Foi vetado o art. 9º do projeto, que previa a impossibilidade de concessão de liminar em ações de despejo, previstas no §1º, incisos I, II, V, VII, VIII e IX, do art. 59 da Lei nº 8.245/1991, até outubro desse ano, excluindo apenas as hipóteses de liminar de despejo para contratos de locação por temporada e quando da necessidade de reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo poder público.
Consta como fundamentação para a realização do veto que impedir a concessão da liminar de despejo “contraria o interesse público” além de ser prevista por “prazo substancialmente longo”. A mensagem de veto também consignou que proibir a liminar de despejo implicaria no “incentivo ao inadimplemento” e na “proteção excessiva do devedor”, o que prejudicaria o locador que depende do recebimento de aluguéis para sustento próprio.
Ao elaborar a fundamentação do veto, entretanto, o executivo parece não ter observado a baixa na procura de novas locações: segundo informação disponibilizada pelo Estadão[2] em abril desse ano, a procura por locação residencial encolheu 40% e a assinatura de novos contratos reduziu 43,7%. Segundo a reportagem, a retração foi sentida também na locação comercial.
Com isso, ainda que o veto tenha o intuito de não incentivar o inadimplemento e proteger o proprietário que depende da renda da locação para sua subsistência, fato é que a condição econômica dos locadores, seja residencial ou comercial, foi afetada em alto grau pela pandemia. Pagar ou não o aluguel passou a ser condição de subsistência do próprio locatário, situação que não pode ser ignorada.
Vale lembrar que, a despeito do acréscimo no número de ações de despejo, é também considerável o aumento das renegociações contratuais, que visam garantir melhores condições ao locatário e assegurar ao locador a manutenção da locação do imóvel. Do ponto de vista econômico, este não é um momento interessante para manter um imóvel desocupado, especialmente caso o locador inadimplente ainda cumpra com os demais encargos contratuais, como impostos, taxas e contribuição de condomínio.
O outro veto que se destaca foi realizado ao art. 11 do projeto de lei, que autorizava síndicos de condomínios a restringir a utilização de áreas comuns, bem como proibir ou restringir a realização de festas e reuniões nas áreas comuns e privadas. A restrição de uso das áreas públicas já foi adotada em diversos condomínios no início da pandemia, sem que houvesse deliberação condominial a respeito, de forma que a lei legitimaria a postura adotada pelos síndicos de tais condomínios.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública entendeu que o referido permissivo “retira a autonomia e a necessidade das deliberações por assembleia”, mantendo o poder de deliberação assemblear. Como forma de contornar a reabertura das áreas comuns, aponta-se que o art. 12, da Lei nº 14.010/2020, autorizou os condomínios a realizem assembleia condominial por meios virtuais. Com isso, nada impede que sejam virtualmente deliberados a restrição do uso das áreas comuns e o impedimento de quaisquer reuniões ou festividades nas áreas comuns e privadas do condomínio.
Vale lembrar, entretanto, que apesar de o síndico não possuir poderes específicos para tais restrições, os condomínios devem, de toda forma, observar as restrições impostas pelos municípios e estados, no tocante à proibição de aglomerações e à observação das orientações sanitárias.
A Lei 14.010/2020 foi publicada em 12 de junho, data em que iniciou sua vigência. Teremos nos próximos dias o início da repercussão de seus artigos aprovados, bem como dos vetados.
Por Carol Fedalto, advogada, especialista em Direito Empresarial, sócia do escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados
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[1]https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/category/atividade-economica/