Por Edson Luiz Vismona – advogado, membro do Conselho de Ética do Instituto Ética Saúde; preside o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO; foi secretário da justiça e da defesa da cidadania do Estado de São Paulo (2000/2002)
A poesia de Fernando Pessoa ensina: “Para ser grande, sê inteiro… Sê todo em cada coisa…”, essa lição do grande poeta nos inspira a entender que a postura ética assim deve ser, não é possível sermos éticos pela metade, sermos na vida pessoal e não na profissional ou vice e versa.
O mesmo ocorre no ambiente dos negócios, as empresas têm que pautar sua conduta em valores e princípios e não aceitar desvios éticos. Tem que ser plena.
Assim, não é aceitável desrespeitar direitos trabalhistas e permitir práticas de assédio, mas afirmar que respeita os direitos dos consumidores ou garantir que cumpre com os encargos sociais, mas vende produtos falsos e, para garantir uma venda, corrompe agentes públicos.
É comum que as empresas, ao definirem suas missões, afirmem que têm o dever de respeitar as leis, os consumidores, os colaboradores e que defendem a preservação do meio ambiente e da sustentabilidade. Contudo, como definiu Aristóteles: “A virtude está em transformar valores em ação”. Assim, somos virtuosos se praticamos os compromissos assumidos. Não basta falar, tem que fazer.
Essa transformação de intenções em ação não é simples. A pressão por resultados, nas empresas e a vontade ou necessidade de comprar pelo menor preço, nas pessoas, pouco importando como, podem estimular a aceitação de desvios éticos e legais e até justificá-los. Nos processos da Lava Jato, muitos empresários tentaram justificar a massiva corrupção com a explicação de que se assim não agissem, seu concorrente o faria. Teriam sido “obrigados” a aceitar propostas indefensáveis para garantir a continuidade da empresa: essa era a regra do jogo.
Essa incoerência ética não se sustenta, o próprio desenvolvimento de um país depende da segurança jurídica, ou seja, regras claras e a garantia de que todos as cumprirão é o que estimula e mantém investimentos e a geração de empregos e renda.
No Brasil, resultado da ampla repercussão dos escândalos de corrupção que varreram o país, as políticas de integridade nas relações corporativas, assumiram grande relevância, o chamado compliance, com códigos de ética e canal de denúncias, passou a ser uma exigência, inclusive como condição para participação em negócios.
As empresas, desde as maiores, até médias e pequenas foram exortadas a assumir compromissos de respeito à ética, não aceitando desvios, em todos os seus departamentos e áreas de atuação, exigindo o mesmo de fornecedores e clientes. A esfera pública também vem se alinhando à essa política, com a instalação de controladorias, corregedorias e ouvidorias, estimulando a cultura da integridade.
Esse protagonismo nas empresas vem crescendo, porém, no nível das representações setoriais, nas associações de empresas, a adoção de parâmetros de conduta setorial merece uma maior atenção e incentivo.
Cada vez mais constata-se que, para a boa convivência no ambiente de negócios, a preservação de uma postura uniforme de conformidade à lei e à ética nos segmentos produtivos é uma necessidade. Sem essa coesão de propósitos, preservando a segurança jurídica, fica fragilizada a competitividade e a concorrência leal, com graves consequências para o setor produtivo, para a economia e para a sociedade.
O momento da tragédia que enfrentamos com a pandemia demonstra que essa valorização da ética é fundamental, especialmente diante do oportunismo criminoso daqueles que se aproveitaram da urgência para obter vantagens às custas da saúde pública.
Em verdade, o combate à corrupção e a defesa da legalidade não podem ser atitudes isoladas de empresas, tem que ser uma postura ampla, disseminada nas entidades representativas.
Esse é o sentido da autorregulação, um caminho que deve ser encorajado, definindo o código de ética setorial, buscando a prevenção de ilícitos, estabelecendo canal de denúncias, enfim, orientando a todos para respeitarem a lei, estimulando a preservação da leal competição e o desenvolvimento de um mercado sólido em princípios e valores.
A Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde – ABRAIDI, junto com o Instituto Ethos, foi pioneira na autorregulação corporativa, criando em 2015 o Instituto Ética Saúde, inaugurando uma longa e necessária jornada de fortalecimento de um programa de integridade setorial voltado para a ética na saúde.
A receptividade dessa inovadora atitude foi a melhor possível. Ministério Público, órgãos reguladores, controladorias e demais setores relacionados à saúde identificaram que essa ação veio ao encontro da urgente necessidade de mudar a cultura comportamental do meio empresarial. A proatividade deve ser valorizada e os empresários e dirigentes de empresas devem conduzir seus rumos e não ficar aguardando que comandos externos ao ambiente de negócios apontem desvios. Quem melhor conhece o mercado deve agir para isolar práticas que corroem a credibilidade e desfiguram os legítimos objetivos da iniciativa privada, que, para serem preservados, devem seguir as melhores práticas.
Essa inteireza ética, preventiva e protagonista resulta em benefícios para toda a sociedade e tem que ser fortalecida.