Com o início da pandemia, o pesquisador e médico Rafael Luís Luporini percebeu a necessidade da Santa Casa de São Carlos em adquirir aparelhos de medição da pressão do balonete de próteses endotraqueais para garantir a vedação adequada do tubo orotraqueal à traqueia do paciente e assim levar a ventilação correta do mesmo. Isso porque os fabricantes e representantes nacionais que possuem licença junto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não deram conta de suprir o estoque internacional, além de elevar o preço do material. Entendendo que a intubação traqueal é considerada um método de suporte avançado à vida, mas que a técnica poderia se popularizar e tornar mais necessária durante a pandemia, Luporini se reuniu com os pesquisadores Rafael Vidal Aroca da Computação; Fernando Guimarães Aguiar, Leonildo Bernardo Pivotto e Marcos Tan Endo da Engenharia Mecânica; e Heitor Vinicius Mercaldi da Engenharia Elétrica e, em menos de 30 dias, foi desenvolvido o cuffômetro inteligente, um dispositivo inédito capaz de manter e auxiliar na vedação adequada do sistema de intubação traqueal em pacientes em terapia intensiva e emergência intubados.
Num procedimento de intubação hospitalar convencional, um tubo de plástico é conectado ao respirador que é inserido na traqueia do paciente. No entanto, para realizar a ventilação, é necessário vedar este tubo com a traqueia do paciente através de balões infláveis. Para isso, após a inserção do tubo, uma seringa de ar é utilizada para insuflar o balonete até completa vedação a fim de evitar a transferência de secreções e permitir uma ventilação mecânica adequada.
De acordo com um dos inventores, Fernando Aguiar, a ausência deste equipamento de medição da pressão dos balonetes pode trazer danos ao paciente e profissionais de saúde, mesmo que o procedimento seja feito com todas as recomendações necessárias, pois um insuflamento de ar inferior ao necessário pode não garantir a vedação adequada do sistema. “Se a vedação não acontece corretamente, as secreções das vias aéreas superiores e trato digestivo podem passar para as vias aéreas inferiores do paciente, podendo ocasionar uma pneumonia ou mesmo contaminar os profissionais de saúde, como, por exemplo, com o coronavírus. Por outro lado, o hiperinsuflamento – ar em excesso pressionando a traqueia -pode diminuir significativamente a perfusão de sangue, ocasionando lesões e estenose, e levando a um quadro cirúrgico que pode trazer sequelas crônicas ao paciente”, explicou Aguiar.
Nesse sentido, para que a quantidade de ar correta seja inserida no balonete, há a necessidade de um sistema de monitoramento de pressão – o cuffômetro. A proposta desta tecnologia é justamente encaixar uma seringa em uma válvula com três conexões, possibilitando a conexão entre o cuffômetro inteligente, o balonete e a seringa para injeção de ar, de acordo com todas as normas da Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo Aguiar. “A tecnologia possui um sistema de auto calibração, cartão de memória interno para armazenamento de dados e capacidade de comunicação via Bluetooth, Wi-Fi e modem 4G. Tudo isso permite o monitoramento instantâneo do paciente ao longo do período em que estiver intubado e, inclusive, durante um transporte intra-hospitalar dentro de uma Unidade de Terapia Intensiva móvel, além de permitir o envio de dados e gráficos para um servidor, fazendo com o que a equipe médica consulte seu histórico completo a qualquer hora em qualquer lugar”.
Levando cerca de 30 dias para ser desenvolvida, entre a demanda e união das áreas técnicas até a confecção do primeiro protótipo, o principal diferencial desta tecnologia é o fato de todos os produtos disponíveis no mercado brasileiro serem analógicos. O cuffômetro inteligente é microprocessado e permite a autocalibração quando o equipamento é inicializado, equalizando a pressão externa com a pressão da medição. “A invenção superou as nossas expectativas porque a ideia inicial era a medição de pressão do balonete para monitorar a quantidade correta de ar injetado, mas com a união das áreas, investimos na aplicação por telemedicina, o que torna o dispositivo ainda mais atrativo ao mercado”, sugeriu Aguiar.
Segundo o inventor, para a fabricação deste equipamento, considerando o licenciamento da tecnologia junto a UFSCar, bem como o licenciamento do produto junto a Anvisa, os pesquisadores estimam que o custo de sua produção será compatível aos modelos analógicos existentes, mas com maior abrangência em suas funcionalidades, dado que os equipamentos atuais não possuem display, não gravam e não fazem o compartilhamento de informações através de um sistema inteligente.
Dada a necessidade atual, em função da preocupação com o novo coronavírus, os pesquisadores já receberam contato de empresas interessadas no licenciamento da tecnologia e, paralelamente a isso, investem na aplicação de testes clínicos. Neste momento, Aguiar conta que a equipe atua na construção de dois protótipos, acreditando que a tecnologia pode transformar o trabalho dos profissionais e a segurança dos pacientes intubados. “Além de suprir uma demanda nacional, com a escassez de equipamentos importados, esta solução tecnológica ganha importância porque reduz a chance de complicações ao paciente, e evita a dispersão e contaminação da equipe de saúde e familiares ao redor. Ou seja, protegendo a vida do paciente e facilitando o trabalho dos profissionais de saúde, ela salva vidas. Adicionado a isso, o monitoramento remoto também é uma realidade cada dia mais necessária”, finalizou.