O urologista e uro-oncologista Marcelo Bendhack foi o responsável pela aplicação do HIFU (High Intensity Focused Ultrassound, Ultrassom Focalizado de Alta Intensidade, em português) para o tratamento do câncer de próstata, técnica até então inédita no País.
Na manhã do dia 19 de janeiro de 2011 uma nova técnica para o tratamento do câncer de próstata era aplicada pela primeira vez no Brasil. No centro cirúrgico do Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba (PR), o urologista e uro-oncologista paranaense Marcelo Bendhack foi o responsável pela aplicação do HIFU (High Intensity Focused Ultrassound, Ultrassom Focalizado de Alta Intensidade, em português) para o tratamento do câncer de próstata, técnica até então inédita no País.
A primeira aplicação do HIFU no Brasil recebeu apoio de médicos e cientistas da Alemanha, Inglaterra, Suíça e dos Estados Unidos. No entanto, a história do HIFU no Brasil começa bem antes e no outro lado do Atlântico. Precisamente, na Universidade Heinrich Heine de Düsseldorf, na Alemanha. Bendhack, doutor em cirurgia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em uro-oncologia pela Heinrich Heine, acompanhou os dois anos iniciais dos estudos com HIFU para o tratamento do câncer de próstata, sob orientação do Prof. Dr. Rolf Ackermann, Chefe de Urologia da Universidade alemã.
O avanço clínico e tecnológico aumentou o interesse na ablação de outros tumores com HIFU. Ao receber aprovação da Comunidade Europeia, a primeira validação médica da tecnologia para a próstata, o Prof. Dr. Rolf Ackermann realizou a pioneira aplicação com HIFU na próstata em 1992. Os estudos do Dr. Rolf Ackermann foram concluídos em 1995.
História do HIFU no mundo
Os primeiros estudos com HIFU, para ablação não invasiva, foram relatados no início dos anos 1940. Posteriormente, nas décadas de 1950 e 1960, William Fry e Francis Fry, ambos da Universidade de Illinois, e Carl Townsend, Howard White e George Gardner, no Interscience Research Institute de Champaign, Illinois, aprensetaram resultados de tratamentos clínicos para problemas neurológicos, com aplicação do ultrassom de alta intensidade de modo estereotáxico para realizar a ablação precisa de tumores cerebrais.
Antes de 2011, e até hoje, cirurgias, radioterapia e outros tratamentos para o câncer de próstata são alternativas, assim como a crioterapia e a braquiterapia. Mas o fato de a técnica HIFU economizar tecidos adjacentes e evitar o emprego de materiais cortantes (especialmente agulhas de introdução, usadas em ambas as técnicas citadas acima) reduziu os efeitos colaterais e, ao mesmo tempo, os resultados oncológicos foram bastante efetivos. Hoje, muitos urologistas, oncologistas e uro-oncologistas aplicam o HIFU como método de escolha.
A evolução da técnica determinou sua aplicação para casos de câncer de próstata de baixo, médio e alto risco. Segundo Bendhack, para os casos de alto risco, o pensamento é semelhante àquele empregado por outras técnicas e tratamentos cirúrgicos e não cirúrgicos, como cirurgia ou radioterapia. Ou seja, para a doença de alto risco a tendência é de resultados menos favoráveis, tal como em qualquer outra técnica ou procedimento normalmente indicado.
Energia Acústica
O HIFU utiliza energia acústica (ultrassônica) num ponto específico da próstata. Os feixes de ultrassom geram calor e se concentram numa região ocupada apenas por células doentes. Quando a energia atinge o local determinado dentro do corpo, a temperatura é elevada para cerca de 90 a 98ºC em questão de segundos, o que resulta na destruição do tecido – apenas o tecido alvo (habitualmente o canceroso) é atingido pela energia ultrassônica. Se o tumor se encontra na área de aplicação, ele será eliminado.
Experiência e Resultados
Bendhack descreve alguns casos em particular. Cita como exemplo um grupo de pacientes com escore de Gleason 8 – a escala Gleason é usada para definir o grau de alterações nas células do câncer de próstata e variam de 2 a 10; não são consideradas pontuações abaixo de 6 (tumores de baixo grau); Gleason 7 é apontado para tumores de grau intermediário; Gleason de 8 a 10 para os tumores de alto grau.
O grupo de pacientes com Gleason 8 teve bom tempo de evolução e resultados extremamente favoráveis. Mas o médico paranaense alerta que sempre é preciso esclarecer muito bem os pacientes sobre as vantagens e desvantagens do método, quando comparado a outros tratamentos, sendo que a indicação para casos de alto risco não deve ser indiscriminada, mas de forma muito criteriosa.
Ainda segundo o urologista, outra indicação importante e sustentável do ponto de vista de evidências científicas é para casos de recidiva local após tratamentos primários, como a cirurgia (indicações mais especiais) e a radioterapia. Ao verificar recidiva local, o chamado HIFU de salvamento é uma das melhores formas de terapia local de resgate, mesmo em casos com graus mais elevados da doença, chamados “alto risco”.
FDA aprovou o HIFU em 2015
Até 2017, mais de 50 mil pacientes já haviam sido tratados com o HIFU em todo mundo. Hoje, as estimativas apontam para mais de 100.000 pacientes. Estima-se que no Brasil mais de 1.200 pacientes já tenham se beneficiado com o método. Como pioneiro na aplicação do HIFU no Brasil, Bendhack já tratou mais de 500 pacientes.
A agência sanitária dos Estados Unidos, a FDA (Food and Drug Administration, a ANVISA americana), concedeu a permissão para o HIFU em 2015, para emprego da técnica sobre a próstata, para eliminar seu tecido, seja benigno ou maligno. Além dos Estados Unidos, o HIFU tem autorização regulatória em mais de 48 países, pela Comunidade Europeia, Japão, Canadá, México e, mais recentemente, na China. No Brasil, tem aprovação da Anvisa desde 2008.
Nestes últimos 10 anos, a evolução principal da terapia HIFU se deu no âmbito da escolha e definição da área a ser tratada. Devido a influência dos trabalhos científicos ingleses a partir de 2014, o campo de tratamento foi muitas vezes reduzido, restrito a áreas da próstata doentes e suspeitas, o que gerou muitas dúvidas por parte de médicos iniciantes neste tratamento.
Além da parte clínica, a indústria também avançou na tecnologia dos aparelhos para aplicação do HIFU. Nos equipamentos produzidos a partir de 2010 são incorporados o TCM (tissue changing monitoring, monitor da mudança de tecido). Este dispositivo avisa ao médico se a energia entregue no ponto desejado foi efetiva e se determinou seu efeito adequado de tratamento. Em caso de energia insuficiente, o aparelho permite reaplicar a energia novamente no mesmo ponto desejado, o que se considera como uma vantagem técnica.
Internação
Com a pandemia de Covid-19 em alta em muitos países europeus, nos EUA, na Índia e no Brasil, naturalmente ocorreu diminuição no número de cirurgias eletivas, seja por estrutura em centros médicos ou por receio por parte dos pacientes. Para Bendhack, o HIFU é uma opção importante e segura para o paciente neste momento, uma vez que é minimamente invasiva e requer poucas horas (24h/36h) de internação.
“A pandemia do novo coronavírus desencadeou nas pessoas o entendimento essencial sobre o conceito de qualidade de vida, além do tempo de vida. Trouxe a real condição de que somos mortais de forma mais próxima de nossas consciências e, por isso, a necessidade de preservar ao máximo nossa qualidade de vida”, avalia o urologista e uro-oncologista paranaense.
Além de minimamente invasivo e poucas horas de internação, estudos internacionais apontam que o HIFU é o tratamento com menos efeitos colaterais, como incontinência urinária e disfunções sexuais, como a falta de ereção, e é associado a excelentes resultados oncológicos.
Estudos Científicos [¹, ², ³, 4]
Recentemente, em outubro de 2020, pesquisadores publicaram no The Journal of Urology (American Urological Association) um dos maiores estudos em série sobre HIFU dos Estados Unidos, como tratamento primário para câncer de próstata.
O estudo acompanhou 100 homens submetidos ao tratamento com HIFU por um período de 5 anos (dezembro de 2015 a dezembro de 2019). Os resultados de curto prazo indicam segurança e preservação do órgão, ausência de incontinência urinária e controle do câncer de próstata. O tratamento radical foi evitado em 91% dos homens após 2 anos.
Outros pesquisadores, como Thüroff e Chaussy*, já apresentaram dados consistentes para o tratamento com HIFU, para o câncer da próstata localizado em um período de 15 anos. Dos 704 pacientes avaliados, 78,5% apresentaram risco intermediário ou alto, com sobrevida pós-câncer específica de 99% (em 1,3 a 14 anos de seguimento) e alta taxa de ausência de necessidade de tratamentos de salvamento para pacientes de baixo risco. As taxas de comorbidades perioperatórias foram baixas, com morbidade grave ausente e índices de controle oncológico suficientes em 10 anos. Segundo o estudo, o HIFU combinado com a ressecção pode determinar ablação tumoral local completa com baixa invasividade.
Depois de tantos anos sendo aplicado no Brasil e em diversos países, são os estudos e a prática clínica os maiores indicadores de que o HIFU não é experimental. É apontado como um dos mais importantes tratamentos para o câncer de próstata, com altos índices de sobrevida (incluindo casos de recidiva), menor risco de complicações e sequelas, menor tempo de recuperação e consequente melhor qualidade de vida para o paciente.
Câncer de Próstata – Incidência e estudos [¹, ², ³, 4]
Segundo tumor mais comum e a terceira principal causa de morte em homens no mundo, o câncer de próstata é cada vez mais identificável precocemente, tratável e com bons prognósticos – elevados índices de sobrevida.
O aumento de incidência da doença em todo mundo tem algumas variáveis, como o avanço nos programas de prevenção, informação, evolução dos métodos diagnósticos, novas tecnologias e o aumento na expectativa de vida. É considerado como câncer da terceira idade, uma vez que ¾ dos casos ocorrem a partir dos 65 anos.
CÂNCER
Estimativa Mundial e no Brasil
Ø Estimativa de 19,3 milhões de pessoas diagnosticadas com câncer e 10 milhões morreram de câncer em todo o mundo em 2020. Globocan 2020 (IARC/OMS)
Ø Casos Globais: Mama: 11,7%; Pulmão: 11,4%; Colorretal: 10%; Próstata: 7,3%
Incidência x 100.000 – OMS / GLOBOCAN 2020
Ø Mama: 47.8; Próstata: 30.7; Pulmão: 22.4; Colorretal: 19.5
Ø Incidência em homens (10 milhões) representa 53% dos casos novos, sendo um pouco maior nas mulheres, com 8,6 milhões (47%) de casos novos.
Ø Tipos de câncer mais frequentes nos homens: Pulmão (14,5%), Próstata (13,5%), Cólon e Reto (10,9%), Estômago (7,2%) e Fígado (6,3%).
Ø Tipos de câncer mais frequentes nas mulheres: Mama (24,2%), Cólon e Reto (9,5%), Pulmão (8,4%) e Colo do útero (6,6%) (BRAY et al., 2018).
BRASIL *INCA – Estimativa para cada ano do triênio 2020-2022
Ø 625 mil casos novos de câncer (450 mil, excluindo os casos de câncer de pele não melanoma).
Ø Câncer de pele não melanoma (177 mil)
Ø Mama e próstata (66 mil cada)
Ø Cólon e reto (41 mil)
Ø Pulmão (30 mil)
Ø Estômago (21 mil)
[¹ ² ³ 4] High Intensity Focused Ultrasound Hemigland Ablation for Prostate Cancer: Initial Outcomes of a United States Series. Andre Luis Abreu, *Samuel Peretsman, Atsuko Iwata, Aliasger Shakir, Tsuyoshi Iwata, Jessica Brooks, Alessandro Tafuri, Akbar Ashrafi, Daniel Park, Giovanni E. Cacciamani, Masatomo Kaneko, Vinay Duddalwar, Manju Aron, Suzanne Palmer e Inderbir S. Gill.
[¹ ² ³ 4] Ganzer R1, Fritsche HM, Brandtner A, Bründl J, Koch D, Wieland WF, Blana A: Fourteen-year oncological and functional outcomes of high intensity focused ultrasound in localized prostate cancer.BJU Int. 2013 Aug; 112(3): 322-9. doi: 10.1111/j.1464-410X.2012.11715.x. Epub 2013 Jan 28.
[¹ ² ³ 4] Crouzet S1, Chapelon JY2, Rouvière O3, Mege-Lechevallier F4, Colombel M5, Tonoli-Catez H5, Martin X5, Gelet A6: Whole-gland ablation of localized prostate cancer with high-intensity focused ultrasound: oncologic outcomes and morbidity in 1002 patients. Eur Urol. 2014 May;65(5):907-14. doi: 10.1016/j.eururo.2013.04.039. Epub 2013 Apr
[¹ ² ³ 4] Transrectal High-Intensity Focused Ultrasound for the Treatment of Localized Prostate Cancer: Current Role
[¹ ² ³ 4]* Thüroff S1, Chaussy C: Evolution and outcomes of 3 MHz high
intensity focused ultrasound therapy for localized prostate cancer during 15 years.J Urol. 2013 Aug;190(2):702-10. doi: 10.1016/j.juro.2013.02.010. Epub 2013 Feb 13.
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