Muitas pessoas evitam o uso do aparelho auditivo por medo de rótulos. Mais modernos, dispositivos minúsculos podem mudar essa realidade
José Carlos Maia herdou dos pais uma surdez moderada. Por não ser severa, só percebeu o problema depois de receber os resultados de um exame sugerido pela esposa, quando aos 38 anos fazia faculdade de Gestão Ambiental e relatava dificuldades para ouvir o que alguns professores diziam. Hoje, aos 52 e há 12 anos fazendo uso de aparelho auditivo, comemora o fato de ter retomado a audição completa e nunca ter enfrentado qualquer situação constrangedora e de preconceito por ser surdo, algo explicitado no uso do aparelho. “Às vezes alguém diz assim, ‘nossa, você usa aparelho’, mas nada de chacota”, diz.
“Meu irmão, que também é surdo, não usa por estética”, conta Maia. “Eu o incentivo a usar, mas ele diz que tem vergonha”, conta. O aparelho usado por Maia é pequeno, discreto e fica na parte de trás da orelha. Mas o primeiro que usou era maior e, portanto, mais visível. Com o tempo, pôde fazer trocas até chegar a um modelo que mais lhe agradasse.
O preconceito dirigido ao surdo não só lhe tira direitos; faz com que muitos portadores de deficiência auditiva se recusem a usar o aparelho. O medo de ser alvo de olhares indiscretos, por vezes maldosos, por causa de um simples aparelho pode agravar o problema. Em alguns casos, o dano é irreversível.
Pesquisa do Instituto Locomotiva Pesquisa e Estratégia de 2019 informa que apenas 37% dos mais de 10 milhões de deficientes auditivos do Brasil estão no mercado de trabalho. A Lei Brasileira de Inclusão, ou Estatuto da Pessoa com Deficiência (6 de julho de 2015), estabelece que as empresas devem ter de 2% a 5% do quadro de funcionários ocupados por pessoas com deficiência. Mas segundo o site SignumWeb, dirigido a portadores deficiência, o mercado de trabalho costuma dar preferência a outros tipos de deficiência por considerar a comunicação com surdos inviável.
Auxílio familiar
“Grande parte dos pacientes vêm até nós trazidos por alguém da família”, afirma Marcia Bonetti, fonoaudióloga e responsável técnica da Audiba, empresa de aparelhos auditivos. “Justamente porque há o preconceito de que as próteses são grandes, porque estão acostumados a verem os aparelhos antigos”. E assim, creem que, com aparelhos grandes, serão alvos fáceis do preconceito.
A melhor maneira de derrubar o medo dos aparelhos grandes e externos é apresentar a eles as próteses atuais, mais modernas, algumas quase imperceptíveis. A reação, explica Marcia, normalmente é de surpresa. “Geralmente dizem ‘meu Deus, é bem menor do que eu imaginava’”, informa. O mercado oferece hoje um cardápio de opções de aparelhos que são praticamente imperceptíveis; alguns se assemelham aos chamados pontos eletrônicos usados por apresentadores de telejornais e de programas de televisão para ouvir informações da direção, invisíveis ao telespectador. As próteses grandes costumam ser utilizadas em casos de perda de audição severa profunda, a que só permite ouvir sons muito altos.
Tratamento necessário
Marcia costuma dizer a pacientes com receio de olhares estranhos que o uso do equipamento, inicialmente, é como um tratamento que exige antibiótico para conter uma infecção: pode ser ruim usar a medicação no começo, mas é a melhor maneira de evitar que se torne um problema mais grave e irreversível. Quanto antes o uso da tecnologia, melhores os resultados obtidos.
“Um jovem de 30 anos que perde ou começa a perder a audição não se conforma porque acha que a surdez é coisa de alguém com 70 anos”, conta Márcia. “Só que ele precisa saber que se ele tem 30 anos e uma perda moderada, ela pode evoluir de forma drástica até uma perda total da audição, principalmente pelo envelhecimento do organismo”. Sem receber o estímulo de forma correta, com o tempo o cérebro começa a perder a capacidade de processar os sons. Assim, o córtex auditivo, responsável por processar as informações e entender os sons, fica debilitado. Já se o tratamento com o uso da tecnologia for feito no princípio do problema, é possível conter a perda da audição com o uso de um objeto quase imperceptível.
Os aparelhos de menor tamanho podem ser adaptados para casos de perdas leves, moderadas e até de severas profundas. “Com a falta de estímulos ao cérebro (por conta da recusa a usar o aparelho), adaptamos um aparelho auditivo maior, de potência maior, para conseguir devolver os sons ao paciente. É possível, em casos como esses, que grande parte dos sons tenham se perdido porque o cérebro já perdeu a capacidade de entende-los. Ainda assim, é possível fazer adaptações em aparelhos pequenos e discretos para atender perdas leves, moderadas e severas, com potência elevada, para realizar um trabalho acurado de processo auditivo central em que se faça uma reabilitação auditiva”, explica Marcia.