Acedriana Vicente Vogel*
Recentemente, durante uma palestra, o professor lanรงou uma pergunta ร ‘queima roupa’, para a plateia, na certeza de que rapidamente a resposta viria: “o que vocรช faz com excelรชncia, ou seja, aquilo que ninguรฉm faz melhor do que vocรช, que te confere uma marca?” Como eu era a primeira da fila, fiquei olhando para ele com desespero imediato… Logo, pensei, ele vai apontar para mim e terei que dar uma resposta! Mas o professor, com uma generosidade absurda, continuou ajudando, “na gastronomia, na costura, no desenho…” Pensando, creio eu, que me ajudaria, mas sรณ piorou a minha situaรงรฃo. Nรฃo conseguia me lembrar de nada. Foi quando pensei: serรก que eu sou uma farsa? Nรฃo existe nada que eu faรงa muito bem?
A dinรขmica atual da vida nos impele a fazer de tudo um pouco – e essa multifuncionalidade nos afasta, pouco a pouco, da sofisticaรงรฃo prรณpria da especialidade. Se vocรช fizer parte de uma equipe diretiva escolar, entรฃo terรก que transitar da pedagogia ao financeiro, passando pelo jurรญdico, administrativo, contabilidade, construรงรฃo civil, nutriรงรฃo, pediatria, enfermagem, etc. Quase que um pouco de tudo. Novamente, lรก vem o professor com a pergunta: โo que vocรช faz, livre de dรบvidas, algo que ninguรฉm faria melhor?โ Entraria em crise, nรฃo fosse a tese defendida pelo Millรดr Fernandes e resgatada naquele momento, em pensamento, de que: “quem nรฃo tem dรบvidas estรก mal informado”.
Com isso, nรฃo quero deixar uma fresta sequer para a acomodaรงรฃo, todavia, quero trazer essa minha constante desconfianรงa diante estado de excelรชncia, por mim entendido como transitรณrio, de passagem, ou ainda melhor, um horizonte que, cada vez que conquistado, se afasta. Sendo assim, o conforto da dรบvida รฉ prรณprio de todos aqueles que estรฃo em movimento – trabalhando, a serviรงo – e menos daqueles que detรฉm as verdades, que se โachamโ excelentes.
No tempo da velocidade, da fluidez, do volume, dormimos com uma realidade e acordamos com outra. Durante a nossa escolaridade, nunca ninguรฉm questionou o fato de que Plutรฃo poderia nรฃo ser um planeta. Jรก durante a escolaridade dos nossos filhos, em um ano se afirmou que era um planeta e, no outro, deixou de ser… Logo, nunca foi tรฃo necessรกrio o cultivo da curiosidade, caracterรญstica humana que habita no nosso lado crianรงa. ร nesse lado crianรงa, tambรฉm, que reside o viรฉs perguntador, ousado, que se atira para desvendar o que desconhece e que cria o que ainda nรฃo existe. Infelizmente, na passagem para o โreinoโ adulto, muitos de nรณs desabilitamos o lado crianรงa e, por consequรชncia, as suas caracterรญsticas humanas inerentes. Ora, desde quando รฉ passaporte para ser adulto apagar a crianรงa que existe em nรณs?
Bom รฉ crescer sendo crianรงa, mantendo a leveza que permite rir de nรณs mesmos e perguntar tudo o que nรฃo sabemos, sem medo dos julgamentos alheios. A fase dos โporquรชsโ nรฃo pode passar… deve ser eterna! Nossas escolas ensinam mais a dar respostas certas que fazer boas perguntas e, creio que isso precisaria ser revisto, pois tรฃo importante quanto dar respostas certas ou fazer algo com “excelรชncia” รฉ saber construir boas perguntas para despertar novas dรบvidas para humanidade. Foi assim que aconteceram os principais avanรงos no mundo.
*Acedriana Vicente Vogel รฉ diretora pedagรณgica do Sistema Positivo de Ensino.ย