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Voltar à escola… voltar à vida

Cleia Farinhas*

Considerando que a pandemia permanecerá como fato e pano de fundo no mundo pelos próximos meses ou anos, até que a ciência dê a palavra final sobre a imunização coletiva, parece coerente pressupor um retorno à vida a partir dessa realidade. Utilizando a metáfora do retrovisor e do para-brisa, é preciso considerar que há um movimento obrigatório e urgente a seguir e que é preciso estar atento à estrada que se percorre a partir daqui, porém, sem deixar de olhar para trás, guardando a prudência sobre o que nos forçou a reduzir tudo nesse período, assumindo consequências desejáveis ou não – porque, de fato, nada parou, mas adaptou-se nos formatos, na qualidade, na velocidade e no tempo.

Nessa etapa de convívio de nove meses com o vírus ainda não debelado, urge parir uma nova rotina de vida, acrescentada de novos códigos de comportamento que se amplifiquem e entronizem na cultura da sociedade, considerando que humanos possuem natureza gregária e que, para não adoecerem mentalmente, terão de adaptar espaços e formas de convivência. As horas que a criança e o jovem passam na escola fazem falta – não apenas pelo que aprendem, mas também pelos relacionamentos que constroem, pelo que vivem e sentem nela. Escola é vida.

Além disso, escolas fechadas significam, para um grande número de crianças e jovens, o cerceamento do acesso a qualquer infraestrutura de bem-estar e desenvolvimento, aumentando a vulnerabilidade e o isolamento. Um exemplo disso é a queda no número de notificações de ocorrências de estupro de vulnerável (quando a vítima é menor de 14 anos) no Brasil durante o isolamento – e isso, segundo especialistas em direitos da infância e da juventude, é um sinal da possível subnotificação gerada pelo fechamento de creches e escolas, já que geralmente as denúncias chegam por meio de educadores, cuidadores, professores e profissionais da área de saúde escolar.

Em âmbito mundial, relatório da ONG World Vision prevê um aumento que pode variar de 20% a 32% da média anual de violência física, emocional e sexual contra crianças e adolescentes. Então, diante da realidade das famílias pela busca de sustento e renda, a escola se impõe também como um espaço indiscutível de cuidado. Escola é proteção.

O retorno à atividade escolar presencial – desde que em áreas em processo de descenso de infecções, obedecendo e zelando por protocolos sanitários, com assentimento dos responsáveis e diálogo para preparar a toda comunidade – pode ser considerado viável. Protocolos seguidos na escola inspiram a criança a ensinar a família. Escola é multiplicadora de bons hábitos.

Um estudo do Center for Disease Control and Prevention (CDC) evidencia que crianças apresentam susceptibilidade até 5,5 vezes menor à infecção pelo Sars-CoV-2 do que os adultos, e representam uma fração mínima dos casos. Além disso, a mortalidade e a taxa de complicações por Covid-19 em crianças são mínimas e menores do que a da influenza na mesma faixa etária. Estudo publicado na Nature Pediatrics afirma que entre 90% e 99% das crianças infectadas são assintomáticas ou oligossintomáticas; diz ainda que a gripe comum, para a qual já temos vacinas disponíveis, já causou duas vezes mais mortes de crianças este ano do que a Covid-19 e que a mortalidade proporcional da H1N1 é 4,5 vezes maior do que a da Covid-19 em crianças. Estudo do CDC atesta que a mortalidade é pelo menos 37,5 vezes menor em crianças do que em adultos.

Em que pese a razoabilidade dos argumentos, o que se infere aqui, mais o contraditório nas opiniões, é que a discussão vai muito além de ir ou não ir a certos lugares, abrir ou fechar portas, fazer ou não fazer o que sempre se fez. Mas de encarar e angustiar-se com o dilema que, na verdade, explica e justifica a vilania, a coisa terrível que é para o presente e muito mais para o futuro, viver o estado de pandemia.

 

*Cleia Farinhas é gerente pedagógica do Sistema Positivo de Ensino.

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