Daniel Medeiros*
Nรฃo sou daqueles que desejam entrar em uma mรกquina do tempo e viver em outra รฉpoca, mas gostaria que a ideia de futuro que algumas pessoas de certas รฉpocas alimentaram estivesse mais presente no tempo que vivo, agora. O que sinto รฉ que fomos deixando coisas importantes pelo caminho e passamos a acreditar que nosso destino, aquele ponto no qual tudo serรก lindo, maravilhoso, pode ser realizado por valoresย duvidosos, por serem fรกtuos.
Nรฃo se trata de fazer mal juรญzo da modernidade, de nรฃo buscar compreender os novos tempos, os interesses que hoje movem os jovens e uns tantos adultos. Trata-se de pensar o quanto estamos perdendo o substrato comum que justificou, desde sempre,ย vivermos em coletividade. Tornamo-nos um amontoado de indivรญduos sobrevivendo emย um espaรงo hobbesiano no qual, diariamente, quem for mais rรกpido ou mais astuto ou mais feroz consegue trazer alimento para casa. Quanto ao espaรงo pรบblico, deย รกgoraย virou arena e o Outro tornou-se o cara com a arma apontada pro seu nariz, o leรฃo feroz e faminto que nรฃo รฉ mau, mas que precisa viver e vocรช รฉ a รบnica chance dele.
Tornamo-nos รกtomos sem direรงรฃo ou finalidade, reduzidos ร nossa natureza, sem nenhum polimento ou acessรณrio. E ainda acreditam, muitos ao nosso redor, que hรก uma ideia de vitรณria ou sucesso nesse modelo. A รบnica forma de โse dar bemโ.
Como diriam os gregos, trata-se de um modelo de vida idiota, no qual vivemos voltados nรฃo para o usufruto da nossa possibilidade criativa, mas para a repetiรงรฃo do ritual do consumo do tempo e da energia vital, atรฉ que sofremos um ataque cardรญaco, ou uma doenรงa qualquer, ou uma violรชncia vinda do รณdio que essa mesma situaรงรฃo fermenta, e tudo termina. Sem obra, sem uma linha indicando um caminho para ser retomado por outro, que chega ao mundo e que poderia ir fazendo desse mundo, na tessitura de lento e delicado trabalho coletivo, um lugar melhor.
Nรฃo sou daqueles que culpabilizam os outros e se isentam das responsabilidades. Mas, em minha defesa, digo que percebo essa roda viva doย animal laboransย e de como essa condiรงรฃo de sobrevivรชncia e reproduรงรฃo apropriou-se do espaรงo pรบblico, fazendo-o definhar, hoje restando uma ou outra rรฉstia do brilho que teve nos projetos de futuro que o passado fazia sobre nรณs. Percebo isso e tento pensar nesse espaรงo pรบblico, de pessoas iguais e livres, trazendo suas novidades para os outros, aparecendo por meio do discurso nรฃo violento. Penso e falo e busco me relacionar com os outros nestes termos, dia a dia, num esforรงo de Sรญsifo.
Nรฃo sรณ eu. Pelo contrรกrio: reconheรงo, algures e alhures, outros, muitos. Aliรกs, bem mais evoluรญdos do que eu. Existimos e, portanto, aquele futuro do passado respira.
ร preciso, porรฉm, ter braรงos fortes, pois remar contra a marรฉ vai, depois de um tempo, amortecendo o corpo e jogando-nos contra as margens, onde hรก rochas e sobre elas sereias que cantam as delรญcias de uma vida egoรญsta e mesquinha, numa batida rรญtmica envolvente, dizendo que รฉ sรณ fechar os olhos eย lasciare via, sem se preocupar com mais nada.
A รบnica saรญda รฉ ter a teimosia dos que se lembram ou dos que, apesar de nรฃo lembrarem, sonham. Persistir, simplesmente, na ideia de que รฉ possรญvel um mundo melhor, mais livre e mais igual.
E ficar atento, para reconhecer, entre as sombras, os que tambรฉm resistem.
* Daniel Medeiros รฉ doutor em Educaรงรฃo Histรณrica e professor no Curso Positivo.
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