Afinal, para que serve o contrato de namoro?

O objetivo do contrato de namoro รฉ dar autonomia para o casal que nรฃo deseja se sujeitar a determinados efeitos jurรญdicos, cientes de que esse รฉ o status do relacionamento dada a ausรชncia de intenรงรฃo de constituir famรญlia

Nรฃo รฉ novidade que as relaรงรตes afetivas contemporรขneas ganham contornos cada vez mais peculiares. Em pesquisa recente do Colรฉgio Notarial Seรงรฃo Sรฃo Paulo, foi contabilizado um aumento de 54,5% na celebraรงรฃo dos chamados contratos de namoro. Esse crescimento รฉ reflexo da centralidade que ganhou a autonomia dos homens e mulheres em seus relacionamentos afetivos e demonstra que o Direito de Famรญlia deve tentar caminhar a passos prรณximos do que a sociedade jรก encara como realidade.

Mas afinal, o que รฉ um contrato de namoro? Segundo a Professora Marรญlia Pedroso Xavier, o contrato de namoro nada mais รฉ do que โ€œuma espรฉcie de negรณcio jurรญdico no qual as partes que estรฃo tendo um relacionamento afetivo acordam consensualmente que nรฃo hรก entre elas objetivo de constituir famรญliaโ€[3].

E o que isso significa? Significa que o traรงo distintivo do contrato de namoro รฉ a ausรชncia de vontade de constituir famรญlia, diferentemente do que se dรก na uniรฃo estรกvel.

Apesar de uma usual confusรฃo a respeito de como se dรก o reconhecimento de uniรฃo estรกvel, ela nada mais รฉ do que uma โ€œuniรฃo pรบblica, contรญnua e duradoura, com o objetivo de constituir famรญliaโ€. Esses sรฃo os รบnicos requisitos elencados pela legislaรงรฃo, inexistindo, portanto, um critรฉrio temporal (os famosos trรชs ou cinco anos de relacionamento), ou a necessidade de coabitaรงรฃo โ€” ao contrรกrio do que รฉ incorretamente difundido.

O objetivo do contrato de namoro รฉ dar autonomia para o casal que nรฃo deseja se sujeitar a determinados efeitos jurรญdicos, cientes de que esse รฉ o status do relacionamento dada a ausรชncia de intenรงรฃo de constituir famรญlia. Afinal, se nรฃo pactuado de maneira distinta (por instrumento pรบblico ou particular), a uniรฃo estรกvel atrairรก o regime da comunhรฃo parcial de bens.

Findo o namoro, nรฃo serรก necessรกrio fazer partilha de bens. Tambรฉm nรฃo haverรก efeito sucessรณrio. Assim, o contrato de namoro รฉ opรงรฃo viรกvel para os sujeitos que claramente nรฃo possuem intenรงรฃo de constituir famรญlia e, com isso, nรฃo almejam determinados efeitos patrimoniais incidentes sobre as demais relaรงรตes afetivas.

O entendimento do que รฉ o โ€œobjetivo de constituir famรญliaโ€ evidentemente traz dรบvidas, e a separaรงรฃo entre contrato de namoro e uniรฃo estรกvel รฉ, nรฃo raras vezes, sutil.

Em decisรฃo sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiรงa diferencia o chamado โ€œnamoro qualificadoโ€ (prolongado) da uniรฃo estรกvel, entendendo que a intenรงรฃo de constituir famรญlia nesta รบltima โ€œdeve se afigurar presente durante toda a convivรชncia, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. ร‰ dizer: a famรญlia deve, de fato, restar constituรญdaโ€[4].

Em outro caso, o Tribunal de Justiรงa de Sรฃo Paulo[5] julgou demanda emblemรกtica em que, nรฃo obstante houvesse a alegaรงรฃo de uma das partes de que o relacionamento seria um namoro, foi reconhecida a uniรฃo estรกvel, pois, dentre outros fundamentos, o casal havia tentado a inseminaรงรฃo artificial em mais de uma oportunidade. Essa evidรชncia demonstra uma contradiรงรฃo ao requisito inerente ao namoro, qual seja, a ausรชncia de intenรงรฃo de constituir famรญlia.

Visando ร  maior seguranรงa, รฉ possรญvel realizar o contrato pela via particular ou por meio de escritura pรบblica. Caso o relacionamento mude com o decorrer do tempo, รฉ possรญvel substituir o contrato por uniรฃo estรกvel ou desfazรช-lo. Nada impede, tambรฉm, que no contrato de namoro seja estipulado qual o regime de bens serรก aplicado caso o status โ€œevoluaโ€ para uniรฃo estรกvel. O cenรกrio pandรชmico, aliรกs, parece ter incentivado os casais a coabitar, dividindo despesas e responsabilidades, fato que acarretou duplo efeito: ora aumentado o vรญnculo afetivo, ora sendo crucial para os tรฉrminos.

Um questionamento interessante a respeito do assunto seria a possibilidade, ou nรฃo, de um sujeito celebrar mais de um contrato de namoro de maneira simultรขnea. Ou, ainda, cogitar a pactuaรงรฃo de uma clรกusula de exclusividade. Ou, melhor, de fidelidade. Cenรกrios plausรญveis? Talvez. Muito embora em descompasso com a tรดnica brasileira de evitar pautas familiares-patrimoniais, parece que รฉ hora de falar sobre temas dessa natureza.

Por Marina Amari[1] e Mariana Capaverde Keller[2]

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Afinal, para que serve o contrato de namoro?
Marina Amari – Foto: Divulgaรงรฃo

[1] Advogada no escritรณrio Assis Gonรงalves, Kloss Neto e Advogados Associados. Mestranda em Direito das Relaรงรตes Sociais pela Universidade Federal do Paranรก (UFPR).

 

Mariana Capaverde Keller - Foto: Divulgaรงรฃo
Mariana Capaverde Keller – Foto: Divulgaรงรฃo

[2] Acadรชmica no escritรณrio Assis Gonรงalves, Kloss Neto e Advogados Associados. Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paranรก (UFPR).

[3] XAVIER, Marรญlia Pedroso. Contrato de namoro: Amor Lรญquido e Direito de Famรญlia Mรญnimo. Belo Horizonte: Fรณrum, 2021, p. 102-103.

[4] Superior Tribunal de Justiรงa (Terceira Turma). Recurso Especial 1454643/RJ, Relatoria: Ministro MARCO AURร‰LIO BELLIZZE. Julgado em 03/03/2015. Publicado em: 10/03/2015.

[5] TJSP, Apelaรงรฃo Cรญvel 1015043-04.2017.8.26.0506; Data de Registro: 26/11/2019

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