De forma diferente do que ocorre em alguns paรญses, temos no Brasil uma forte resistรชncia ร palavra “feminismo” e, claro, ao que ela representa. O feminismo foi um movimento legรญtimo que atravessou vรกrias dรฉcadas, e que transformou as relaรงรตes entre homens e mulheres para melhor, sendo difรญcil entender o preconceito dos formadores de opiniรฃo pรบblica.
As conquistas do movimento feminista, quando analisamos a mulher realizando cursos superiores, escolhendo profissรตes dentre muitas antes consideradas inatingรญveis para o sexo feminino, recebendo salรกrios quase iguais, candidatando-se nas eleiรงรตes โ apesar de ainda lutarmos contra as candidaturas falsas apenas com finalidades de arrecadaรงรฃo financeira -, e muitas outras, vemos que aquilo antes considerado um sonho utรณpico, hoje faz parte de nosso cotidiano, e nem podemos mais imaginar um mundo diferente.
Isso aconteceu porque mulheres lutaram por este objetivo, muitas vezes perderam suas prรณprias vidas, para que suas filhas e irmรฃs nรฃo mais enfrentassem tais dificuldades.
No entanto, ao lado dessas vitรณrias, uma grande derrota foi ter permitido que um forte preconceito isolasse a palavra como malรฉfica, e nรฃo um motivo de orgulho para a maioria das mulheres. Evidentemente extremismos aconteceram, como em todas as รกreas do fazer humano, mas a forma como tais radicalismos marcaram todo o movimento รฉ inaceitรกvel, observar mulheres contra o feminismo apesar de utilizarem todas os benefรญcios que tais iniciativas trouxeram, mostra que a reaรงรฃo desencadeada pelo antifeminismo foi tรฃo forte e competente, que alรฉm de promover o horror pela palavra, transformou a imagem da feminista em sinรดnimo de mulher feia, intransigente e nada feminina. Tambรฉm รฉ uma derrota do feminismo o fato de que as novas geraรงรตes desconheรงam a histรณria das conquistas femininas, os nomes das pioneiras, a luta das mulheres que desde muito tempo atrรกs denunciaram a discriminaรงรฃo, e batalharam por relacionamento justo entre os sexos, compartilhamento da criaรงรฃo dos filhos e trabalho domรฉstico.
Enquanto o feminismo de “Primeira Onda” esteve principalmente centrado na reivindicaรงรฃo de direitos polรญticos, como o de votar e ser eleita, o feminismo chamado de “Segunda Onda” surgiu depois da Segunda Guerra Mundial e deu prioridade ร s lutas pelo acesso igualitรกrio ao trabalho, o direito ao corpo e contra o patriarcado. Nesse momento, uma das palavras de ordem era: “o privado รฉ polรญtico”.
Foi difรญcil para muitas aceitar o nascimento desta nova feminilidade, ร s vezes atรฉ por receio de perder seus maridos โ que viam com maus olhos o crescimento das reivindicaรงรตes โ e portanto suas fontes de renda, jรก que sem nenhuma habilidade profissional fora do lar, poderiam ser impossibilitadas de criar os filhos. Atรฉ pouco tempo atrรกs muitas jovens nรฃo estudavam alรฉm do ciclo bรกsico, aprendendo pouco alรฉm do indispensรกvel para gerir um lar, educar os filhos e controlar as despesas domรฉsticas. Opor-se ร quelas que tentavam obter mais direitos parecia o melhor caminho para a admiraรงรฃo masculina, um ato de solidariedade com os que detinham o poder, da mesma forma que alguns โcapitรฃes do matoโ obtinham privilรฉgios e uma certa seguranรงa ao aderir ao lado dos senhores de engenho contra seus companheiros de infortรบnio.
Minar a sororidade, embora fosse uma condenaรงรฃo ร s prรณprias filhas pareceu interessante em alguns momentos de nossa histรณria.
Isso tornou a denominaรงรฃo ‘feminista’ alvo de intensas agressรตes, incompreensรตes e disputas, mas sabemos atualmente que, de todas as utopias e projetos revolucionรกrios do sรฉculo XX, o que efetivamente restou foi o projeto feminista. Votamos, elegemos e somos eleitas, estamos em praticamente todas as รกreas laborais, e apesar da violรชncia e a inseguranรงa pรบblica, com certo retorno a um pensamento misรณgino e menos educado, e a consciรชncia de que ainda faltam muitos direitos a serem adquiridos, temos bastante a comemorar.
ย
Wanda Camargo โ educadora e assessora da presidรชncia do Complexo de Ensino Superior do Brasil โ UniBrasil.