Maria Fernanda Ziegler | Agรชncia FAPESP โ Um estudo preliminar realizado pelo Instituto Butantan sugere que a vacina CoronaVac pode neutralizar as variantes P.1. e P.2. do SARS-CoV-2. Alรฉm do relaxamento das medidas de distanciamento social nas festas de fim de ano e carnaval e o ritmo lento da vacinaรงรฃo, a variante brasileira (P.1.) โ potencialmente mais transmissรญvel โ tem sido apontada por epidemiologistas como uma das causas da alta recente de casos e mortes por COVID-19.
โA questรฃo das variantes preocupa a todos nรณs. Precisamos de muita atenรงรฃo e avaliar se as vacinas produzem anticorpos contra elas. Jรก sabรญamos que a CoronaVac tinha eficรกcia comprovada contra as variantes do Reino Unido (B.1.1.7) e da รfrica do Sul (B.1.351) e agora sabemos que a vacina รฉ eficiente tambรฉm contra as variantes P.1. e P.2.โ, diz Dimas Covas, presidente do Instituto Butantan em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (10/03).
A vacina CoronaVac, desenvolvida pela farmacรชutica chinesa Sinovac, รฉ produzida no Brasil pelo Instituto Butantan. Os estudos clรญnicos com o imunizante tรชm apoio da FAPESP.
โO estudo foi feito em parceria com a USP em laboratรณrio de biosseguranรงa 3 (NB3), onde รฉ possรญvel manipular o vรญrus. Na anรกlise, adicionamos as variante P.1. e P.2. a uma cultura celular que continha o soro de pessoas imunizadas. O resultado, embora ainda em um nรบmero pequeno de amostras, foi muito satisfatรณrio. Os anticorpos presentes no soro neutralizaram a aรงรฃo da variante P.1.โ, afirma Ricardo Palacios, diretor mรฉdico de Pesquisa Clรญnica do Butantan.
A variante P.1., descoberta pela primeira vez em viajantes japoneses que retornavam de Manaus, jรก estรก circulando pelo Brasil e causa preocupaรงรฃo por ser potencialmente mais transmissรญvel. Jรก a variante P.2., reportada inicialmente no Rio de Janeiro e que tambรฉm estรก em circulaรงรฃo pelo paรญs, nรฃo estรก entre as novas variantes de preocupaรงรฃo.
Na coletiva de imprensa, Covas ressaltou que as variantes sรฃo novas formas do vรญrus e algumas delas apresentam caracterรญsticas extremamente preocupantes. โEste รฉ o caso da B.1.17 [conhecida como variante do Reino Unido], cuja transmissรฃo รฉ aumentada de 30% a 50% e a gravidade dos casos รฉ 30% superior. Jรก a variante B.1.351 [sul-africana]ย estรก relacionada a aumento da carga viral nos infectados e transmissรฃo aumentada, sendo resistente ร neutralizaรงรฃo de anticorpos gerados por algumas vacinas ou por infecรงรฃo natural prรฉvia. A variante P.1. concentra as mutaรงรตes principais das variantes do Reino Unido e da รfrica do Sulโ, afirmou.
โPor isso, trata-se de resultados animadores, mas acredito que o mais importante seja a junรงรฃo desses resultados em laboratรณrio com a resposta que estamos vendo na reduรงรฃo de infecรงรฃo entre os idosos vacinados em fevereiro. Esse dado real, que tambรฉm รฉ preliminar, indica que a vacinaรงรฃo funciona e tambรฉm funciona para as variantes em circulaรงรฃoโ, diz Palacios ร Agรชncia FAPESP.
De acordo com dados da Prefeitura de Sรฃo Paulo, em plena alta de casos da doenรงa, a morte de idosos com mais de 90 anos despencou 70% โ de 127 em janeiro, para 38 em fevereiro. Houve ainda reduรงรฃo drรกstica no nรบmero de hospitalizaรงรตes. Esta รฉ a faixa etรกria que foi imunizada.
Em Pernambuco, a Secretaria Estadual de Saรบde reportou tambรฉm a diminuiรงรฃo no nรบmero de pedidos de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em idosos com mais de 85 anos.
Resposta imune
O estudo em cultura celular com o soro sanguรญneo de imunizados consegue avaliar apenas a resposta imune conferida pelos anticorpos. โNesse tipo de estudo sรณ รฉ possรญvel avaliar a resposta imune humoral, mediada por anticorpos. Sabemos que a resposta imune induzida pela vacina รฉ muito mais ampla. Entรฃo รฉ possรญvel que a resposta na vida real seja ainda melhor que no laboratรณrio. ร algo que precisa ser verificado com mais testes, como o que estamos realizando na cidade paulista de Serranaโ, afirma Palacios.
Em 17 de fevereiro, o Instituto Butantan iniciou no municรญpio paulista de Serrana um estudo que vai avaliar o impacto da vacinaรงรฃo no combate ร pandemia de COVID-19. Toda a populaรงรฃo maior de 18 anos estรก sendo vacinada. Com isso, os pesquisadores vรฃo medir o impacto da vacinaรงรฃo na transmissรฃo do vรญrus e na reduรงรฃo da sobrecarga no sistema de saรบde, bem como outros efeitos indiretos da imunizaรงรฃo na economia, na circulaรงรฃo de pessoas e tambรฉm sobre as novas variantes do SARS-CoV-2.
De acordo com os dados de acompanhamento genรดmico obtidos no estudo realizado em Serrana, as variantes em P.1. e P.2. jรก sรฃo as mais prevalentes desde janeiro e fevereiro. โEstamos realizando o projeto Serrana e acompanhamos a evoluรงรฃo do vรญrus desde junho de 2020. Em dezembro, apareceram mudanรงas no vรญrus e, em janeiro, a P.2. jรก era a predominante no municรญpio. De janeiro a fevereiro jรก predomina a P.1. โ a mais agressiva. O que aconteceu em Serrana pode ter acontecido em outros municรญpios brasileiros tambรฉmโ, explicou Covas (leia mais em: agencia.fapesp.br/35325).
โOutro fator que estamos acompanhando com interesse รฉ a vacinaรงรฃo na Colรดmbia. Lรก foram comprados imunizantes da Sinovac, diretamente da China, e o plano nacional de vacinaรงรฃo colombiano priorizou a regiรฃo amazรดnica que faz fronteira com o Brasil, onde surgiu a variante P.1.. ร preciso acompanhar, pois pode ser mais um indicador de que a CoronaVac neutraliza a nova variante de preocupaรงรฃoโ, diz.
Um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostrou que a imunidade natural รฉ cerca de seis vezes menos eficiente para neutralizar a variante brasileira P.1., do que a chamada linhagem B, que circulou no paรญs nos primeiros meses da pandemia. O estudo tambรฉm mostrou que soro de vacinados com a CoronaVac neutralizou fracamente tanto a linhagem B quanto a P.1.. Os dados sรฃo preliminares e se baseiam na anรกlise de apenas oito amostras (leia mais em: agencia.fapesp.br/35311).
Este texto foi originalmente publicado por Agรชncia FAPESP de acordo com a licenรงa Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.