Assembleias e rodas de conversa permitem escuta ativa dos alunos e garantem tranquilidade na convivência
Nada de professores perdendo a cabeça com a bagunça na sala de aula, seja ela física ou virtual. Na pequena Guaxupé, no sudoeste de Minas Gerais, a indisciplina ficou no passado graças à escuta ativa dos estudantes do Ensino Fundamental. Realizando assembleias, rodas de conversa, votações e outras consultas às crianças, o município tem conseguido melhorar a convivência entre alunos, professores e equipe escolar.
Para Érica Gonçalves, coordenadora do Ensino Fundamental da Secretaria de Educação de Guaxupé, aproximar as crianças da rotina de decisões das escolas é uma forma de permitir que elas desenvolvam autonomia moral e intelectual. A ideia vai muito além das assembleias coordenadas pelos professores. “As crianças estão diretamente envolvidas na organização do ambiente escolar. Elas são diariamente incentivadas a tomar pequenas decisões, como por exemplo sobre a sequência de atividades a serem realizadas ou os temas sugeridos para projetos investigativos”, explica. “Dessa forma, deixam de ser meras espectadoras do ensino e se tornam agentes de transformação do processo educativo”, completa.
Levar os estudantes para mais perto do trabalho dos professores e do restante da equipe é uma forma poderosa de aplicar os princípios básicos da democracia. Graças a essa postura, os pequenos se sentem encorajados e capazes de participar do cotidiano escolar, em vez de apenas cumprir com suas tarefas acadêmicas. “As votações, assembleias e rodas de conversa servem para que os alunos ajudem a estabelecer o conjunto de regras e combinados. Trabalhamos a escuta ativa dessas crianças e procuramos criar um ambiente em que elas têm liberdade para manifestar sentimentos, interesses, valores e ideias. Nas assembleias, por exemplo, elas podem expor seus problemas, suas dificuldades e suas vontades”, conta Érica. O resultado é uma queda vertiginosa nas reclamações sobre comportamento.
Grandes poderes trazem grandes responsabilidades
Ao contrário do que se acreditava há algumas décadas, educadores afirmam que a repressão no ambiente escolar não é uma solução para o problema da indisciplina. Não é de hoje que as práticas pedagógicas pregam que o autoritarismo pode, na verdade, prejudicar a convivência nos ambientes de aprendizagem. O supervisor pedagógico da área pública do Sistema de Ensino Aprende Brasil, Pedro Lino, explica que esse tipo de visão não está de acordo com o que se espera da escola no século XXI. “Autoritarismo não combina com Educação. Hoje, na escola, não cabe mais a imposição de ideias ou de posturas. O que deve ser adotado é o diálogo aberto e o respeito franco, aquele que corre nas duas mãos – do professor para o aluno e do aluno para o professor – e que se constrói todos os dias”, pontua.
Essa redução nas taxas de indisciplina acontece porque, quando crianças e adolescentes compreendem seu papel em determinado espaço, eles tendem a agir com mais responsabilidade e maturidade. Patricia Pirota, professora da área de linguagens para o Ensino Básico e para cursos preparatórios, já tem mais de 40 mil inscritos no YouTube e usa as redes sociais para falar sobre Educação. Ela ressalta que é fundamental colocar os alunos como autônomos no processo de aprendizagem. “Quanto mais noção eles têm de sua responsabilidade no processo, menos indisciplina na sala de aula. Em 2020, com o ensino remoto, eu tive raríssimos episódios de mau comportamento porque eles acabaram entendendo que não era bom que aquilo acontecesse. Muitas vezes, o professor faz sua parte, o pai faz sua parte e todo mundo esquece de mostrar para o aluno que ele também tem que fazer a parte dele”.
Indisciplina também é mudança
Entretanto, é imprescindível lembrar que nem sempre a indisciplina é negativa. Em alguns casos, ela pode ser uma maneira de a criança se expressar, questionar e, ironicamente, participar ativamente da sociedade em que está inserida. O professor Cláudio Marques da Silva Neto, autor do livro “Indisciplina e violência escolar: dilemas e possibilidades”, afirma que a indisciplina não deve ser indesejada. “Ela é um fenômeno social altamente relevante nos processos de construção e mudança social. É um fenômeno que está na escola e que só passa a ser um problema quando vira uma forma de contestação. Muitas vezes, ela está associada à forma como o professor impõe sua autoridade”, destaca.
Para ele, é preciso encarar os problemas de cada escola e encontrar soluções que caibam no contexto em que aquela instituição está inserida. “Quando cheguei à escola em que estou hoje, os dois principais problemas eram indisciplina e violência dos alunos. Hoje, depois de dez anos, esses fatores não exigem a preocupação e o trabalho da instituição. Esse cenário se resolveu não apenas lidando com o problema em si, mas prestando atenção às angústias que professores e alunos tinham”, relembra. Segundo ele, para chegar a esse resultado, empatia, respeito e parceria entre os muitos agentes envolvidos no cotidiano escolar foram indispensáveis.
Todas essas questões devem estar claras no projeto pedagógico da instituição, diz Pedro Lino, do Sistema de Ensino Aprende Brasil. “A escola precisa ter claro, inclusive, quais são as posturas aceitáveis naquele espaço, o que se espera de um professor, o que se espera de um aluno. E, dentro dessa perspectiva, deve articular de forma que os professores todos tenham uma linguagem comum. Que a disciplina seja uma proposta da escola e não apenas de um ou outro professor”, finaliza.
Patricia Pirota e Cláudio Marques da Silva Neto discutem outros aspectos da indisciplina no 22º episódio do podcast PodAprender, cujo tema é “Indisciplina em sala de aula”. O programa pode ser ouvido no site do Sistema de Ensino Aprende Brasil (sistemaaprendebrasil.com.br), nas plataformas Spotify, Deezer, Apple Podcasts, Google Podcasts e nos principais agregadores de podcasts disponíveis no Brasil.