O monitoramento ambiental do SARS-CoV-2 pode rastrear a taxa de contaminação viral e ser utilizado para estabelecer medidas preventivas. Estudos iniciais demonstraram altas taxas de detecção de RNA viral em ambientes hospitalares, equipamentos e materiais que poderiam atuar como contaminantes.
Isso motivou um grupo de pesquisadores da UFPR a verificar a presença do material genético do coronavírus em ambientes de saúde pública em Curitiba. Os resultados foram publicados no International Journal of Environmental Research and Public Health. O trabalho contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba (SMS).
Foram coletadas 711 amostras em quatro unidades básicas de saúde (nos bairros Boa Vista, Bairro Alto, Cajuru e Capão da Imbuia); na unidade de pronto atendimento (UPA) Boa Vista e nos Hospitais de Clínicas e Pequeno Príncipe.
Nas unidades básicas e na UPA, houve coletas em unidades odontológicas, consultórios médicos e unidades de avaliação para Covid-19. Já nos hospitais, a análise ocorreu nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e enfermarias destinadas ao atendimento a pacientes com a doença.
Este é o primeiro estudo de análise ambiental na saúde pública que inclui serviços odontológicos. “Queríamos entender como o vírus poderia circular nos ambientes hospitalares, em comparação com unidades de saúde básica e nos locais de atendimento odontológico”, explica a professora Vânia Vicente, do Departamento de Patologia Básica.
A pesquisa atendeu uma demanda dos órgãos responsáveis, como conta Viviane de Souza Gubert, da Coordenação de Saúde Bucal da SMS. “Nós estávamos muito interessados em saber como o SARS-CoV-2 se comportava no ambiente odontológico. Tudo era muito novo e tínhamos dúvidas como seriam as rotinas dentro da clínica”.
Coletas e resultados
As coletas de RNA viral, realizadas durante o segundo semestre de 2020, foram feitas por meio de swab, de maneira similar aos exames para detecção do coronavírus. “Optamos por uma inativação química com um detergente enzimático e, em laboratório, foi extraído o material genético de toda a amostra ambiental“, relata a estudante de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia da UFPR Maria Eduarda Grisolia.
Nas 234 amostras em ambientes odontológicos, houve positividade de 3%. Embora os resultados sejam compatíveis com os índices apresentados em outros estudos já realizados, a equipe destaca a persistência do RNA em materiais odontológicos que não são descartáveis, como refletores e ejetor de saliva.
Em alguns casos, foram encontradas amostras positivas para o RNA de SARS-CoV-2 na cadeira odontológica, mesmo após a limpeza do equipamento, o que reforça o rigor que deve ser seguido durante o processo de desinfecção.
A positividade do RT-PCR em amostras coletadas em ambulatórios foi maior do que em alguns ambientes hospitalares. Um exemplo: entre 85 amostras de enfermaria, foi detectada presença do RNA viral em 9% dos locais. Nos consultórios médicos, o RNA viral foi detectado em itens pessoais, como canetas, carimbos e cadernos. Além disso, as maçanetas das portas, teclados de computador, mouses, poltronas e oxímetros foram positivos para SARS-CoV-2.
O estudo também demonstrou que as maçanetas e as grades da cama são as superfícies mais comumente contaminadas nas UTIs, com uma frequência de 14% e 22% de amostras positivas, respectivamente.
Na unidade de avaliação para Covid-19, o RNA viral foi detectado em teclados e mouses, oxímetro, termômetro, cadeira do paciente, maçaneta da porta e no equipamento de raio-X onde o paciente fixa o queixo para realização dos exames. Das 711 amostras analisadas, 35 foram positivas pelo teste RT-PCR para SARS-CoV-2.
Desinfecção e prevenção
A equipe explica que este trabalho não determina a viabilidade do vírus, ou seja, a presença do material genético do vírus no ambiente não necessariamente implica na possibilidade de contaminar as pessoas. Isso depende de inúmeros fatores, que vão desde a limpeza do ambiente até o tempo de permanência do vírus naquele local.
Entretanto, os dados indicam que estes são pontos críticos e que, em algum momento, o vírus pode ter estado viável naqueles locais. Assim, trata-se de um indicador importante que revela a necessidade de medidas de desinfecção mais rigorosas nessas áreas.
Além disso, os números apontam que o vírus circula em unidades de saúde não destinadas ao tratamento da Covid-19. “Apesar de ter o controle, com uso máscara e desinfeção de ambientes, existem pessoas com Covid que estão circulando e transmitindo o vírus”, enfatiza Bruno Paulo Rodrigues Lustosa, estudante de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia da UFPR que participou das coletas.
Neste contexto, a professora Sonia Raboni, infectologista chefe do Complexo Hospital de Clínicas, ressalta que estamos em um período pandêmico, com uma alta taxa de transmissão deste novo patógeno na comunidade. “Uma grande parte das pessoas contaminadas não apresenta sintomas ou tem sintomas leves e não específicos. Desta forma, esses indivíduos continuam realizando suas consultas clínicas e odontológicas habituais e podem ser fontes de contaminação de equipamentos, profissionais ou pacientes que serão atendidos nestes locais”.
A infectologista aponta ainda a necessidade das equipes que trabalham no atendimento destes pacientes, independentemente da presença de sintomas, intensificarem as medidas preventivas. “Além da contaminação ambiental, são necessários outros fatores para a transmissibilidade da doença, tais como a proximidade e o contato entre pessoas infectadas e não infectadas. Nos estudos de rastreamento, fica clara a necessidade de ter uma pessoa infectada e que o contato ocorra sem as medidas preventivas recomendadas, ou seja: sem distanciamento, uso de máscara e higienização adequada das mãos”.
De acordo com a professora Vânia, os resultados reforçam a ideia de que o controle do vírus é multifatorial. “Temos que nos cercar de todas as frentes. Além de sermos imunizados, usar máscara, temos também que cuidar da nossa relação com o ambiente. Durante uma pandemia, mesmos estando isolados, podemos adoecer e assim, necessitar dos serviços de saúde”, conclui.
Também participaram do artigo os pesquisadores Caroline Pavini Beato, Eduardo Balsanelli, Meri Bordignon Nogueira, Katherine Athayde Teixeira Carvalho, Izadora Cervelin Flôr, Morgana Ferreira Voidaleski, Ramiro Gonçalves Etchepare, Jacques F. Meis, Vanete Thomaz Soccol e Emanuel Maltempi de Souza.
Outros indicadores
A equipe continua a investigação ambiental para identificar, por meio de genotipagem, as linhagens que circulam em diferentes ambientes.
No momento, os pesquisadores também se concentram em outro indicador: o monitoramento do SARS-CoV-2 em esgotos por RT–PCR. A pesquisa ocorre em rede nacional, por uma iniciativa conjunta da Agência Nacional de Águas e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estações Sustentáveis de Tratamento de Esgoto, da Universidade Federal de Minas Gerais.
O projeto tem coordenação geral do professor Carlos Augusto de Lemos Chermicharo, da UFMG, envolvendo várias instituições de ensino e pesquisa, entre elas a UFPR. O coordenador local no núcleo Paraná é o professor Ramiro Gonçalves Etchepare, do Departamento de Hidráulica e Saneamento.
A pesquisa está em andamento e os resultados serão divulgados em breve. “Este indicador representa uma fotografia da circulação comunitária do vírus e assim, pode fornecer sinais de alerta para tomada de decisão para medidas de restrição”, afirma o professor Emanuel.
Por João Cubas (Aspec/SCB/UFPR)
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