Para muitos pacientes oncológicos, infelizmente, o tratamento quimioterápico e radioterápico acarreta um efeito colateral para lá de indesejável: a cardiotoxicidade, que corresponde a uma série de consequências cardiovasculares, que podem ser tão letais quanto o próprio câncer.
De acordo com estudos recentes da Sociedade de Cardiologia, em um grupo de 63,5 mil pacientes com câncer de mama, por exemplo, 15% das mortes aconteceram por causas cardiovasculares até oito anos após o término do tratamento oncológico, enquanto os óbitos em decorrência da própria doença representaram 15,1%. De acordo com a cardiologista Monica Avila, as antraciclinas, quimioterápicos que compõem a base do tratamento para combate do câncer de mama, são as grandes responsáveis pelo dano. Outro estudo publicado no Journal of Clinical Oncology aponta que pacientes submetidos ao tratamento contra o câncer de mama têm 3,6 vezes mais chances de desenvolver problemas cardíacos. Já para aqueles que usaram medicações contra a leucemia a incidência é 4,2 vezes maior.
A importância deste cenário mereceu uma mesa redonda durante o 41º Congresso Virtual da SOCESP – Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, que acontece entre os dias 10 e 12 de junho: “Cardio-oncologia: um novo desafio da cardiologia”, que contará com as palestras “Cardiotoxicidade além da disfunção miocárdica: hipertensão arterial sistêmica (HAS), isquemia miocárdica e arritmias”, com a cardio-oncologista Tatiana Galvão, e “Prevenção e tratamento da cardiotoxicidade”, com Monica Avila.
“Iremos abordar os efeitos do tratamento quimioterápico e radioterápico no coração, que vai muito além da disfunção miocárdica, que constitui a cardiotoxicidade mais conhecida”, explica Tatiana. “A abordagem para o controle oncológico pode levar à maior incidência de arritmia, isquemia miocárdica e ao surgimento ou agravamento da HAS”.
Para se ter uma ideia, estima-se que em torno 35% dos pacientes com câncer desenvolverão HAS ao longo do tratamento, incluindo o surgimento de hipertensão severa e crises hipertensivas. A presença de HAS prévia ao tratamento de neoplasias, bem como de outra doença cardiovascular, como doença coronariana, arritmias, ou valvopatia é preditora do desenvolvimento de miocardiopatia pelo uso dos quimioterápicos. Além disto HAS é a comorbidade mais frequentemente registrada em pacientes com câncer e sua incidência aumenta com determinadas classes de quimioterápicos.
Segundo a Diretriz Brasileira de Cardio-oncologia, a HAS, a doença renal crônica, a doença cardiovascular e o câncer têm fatores de risco em comum, como tabagismo, obesidade e diabetes. Por isso, muitos tipos de câncer e seus tratamentos causam ou agravam a HAS preexistente por efeitos vasculares, endoteliais e renais.
“O papel do cardio-oncologista é justamente monitorar a ocorrência de cardiotoxicidade, lembrando que, para os pacientes com fatores de risco cardiovascular é fundamental a prevenção”, alerta a especialista. “O controle adequado de fatores de risco pré-existentes e a instituição precoce de tratamento cardioprotetor possibilita que este ele possa fazer o protocolo oncológico mais adequado, com menos consequências cardiovasculares.”
Prevenção: antes, durante e depois
A especialista Monica, durante sua aula “Prevenção e tratamento da cardiotoxicidade”, irá falar sobre os cuidados e o acompanhamento antes, durante e depois do início do processo quimioterápico principalmente em pacientes com câncer de mama. A cardiologista foi uma das responsáveis por desenvolver este trabalho preventivo no SUS. “São mulheres que, normalmente, não têm muito acesso a investigações cardiovasculares”, diz.
“Sempre começamos com uma avaliação do risco cardiovascular prévio do paciente que será submetido à quimio”, explica Monica. “E, dependendo da necessidade de cada caso, entramos com a prevenção da cardiotoxicidade com medicações cardiovasculares durante o processo. Caso aconteça de o paciente desenvolver a complicação durante o tratamento, ministramos as drogas que o ajudem a se recuperar do quadro de cardioxicidade para retomar o protocolo oncológico propriamente dito.”