Duração e frequência dos cochilos afetam aprendizado de adolescentes, aponta estudo

Aulas matutinas podem estar desencadeando um processo vicioso entre restrição de sono e hábitos inadequados de cochilo: “o sono noturno tende a ser mais superficial e menos restaurador”, avalia Jefferson Souza Santos, pesquisador do Labcrono/UFPR.

Duração e frequência dos cochilos afetam aprendizado de adolescentes, aponta estudo
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O hábito de dormir menos que o recomendado durante a noite, problema chamado de restrição crônica de sono, desencadeia em adolescentes costumes inadequados de cochilos. Esse comportamento é comum em jovens na faixa etária entre 14 e 19 anos e, em longo prazo, leva a um círculo vicioso que pode gerar prejuízos relacionados ao aprendizado, à memória e ao desempenho acadêmico. Cochilos podem ser benéficos desde que não ultrapassem 60 minutos e sejam feitos logo após o almoço.

Os riscos dos cochilos longos são apontados no estudo do doutorando Jefferson Souza Santos e do professor Fernando Mazzilli Louzada em artigo publicado no periódico Sleep Medicine, jornal oficial da Sociedade Mundial do Sono e da Associação Internacional do Sono Pediátrico. Os autores integram o Laboratório de Cronobiologia Humana (Labcrono), do Departamento de Fisiologia, na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

A pesquisa avaliou os padrões de sono de 1.554 adolescentes, entre 14 e 19 anos de idade, matriculados no ensino médio em 2019 e verificou que o cochilo diurno é uma prática comum para a maioria deles (58%). Desses, 36% costumam cochilar de uma a duas vezes por semana e 45% relataram períodos prolongados de soneca.

A Fundação Nacional do Sono recomenda de oito a dez horas de sono de qualidade por dia para adolescentes, considerando aspectos cognitivos, emocionais e de saúde física. De acordo com o estudo, apenas 27,6% dos entrevistados dormem mais de oito horas por dia. E 71% informaram que “nunca” ou “às vezes” dormem pelo período recomendado. Com relação à sonolência em sala de aula, 38,5% disseram que sentem “sempre” ou “frequentemente”. Quando o sono recomendado não é alcançado, a pressão do sono acumulado contribui para o aumento de queixas de sonolência diurna e, consequentemente, para a adoção de sonecas longas e frequentes pelos adolescentes.

A conclusão do estudo é que aqueles que apresentam esse hábito tendem a dormir mais tarde no período noturno, por volta das 23h30. Eles também permanecem dormindo por menos tempo, uma média de sete horas, em comparação aos que não costumam cochilar. O aumento de sonolência diurna e a má qualidade do sono são outras características reportadas por esses estudantes.

Louzada afirma que a adolescência é um estágio crítico da vida, em que muitos processos de amadurecimento acontecem, incluindo mudanças na regulação do sono. “É sabido que o sono é essencial para a função mental e para a conquista acadêmica desses jovens. O cochilo é adotado para aliviar as queixas de pressão do sono. No entanto, também tem o potencial de amplificar a restrição do sono devido a um círculo vicioso desencadeado por períodos de sono atrasados”.

Cochilos prolongados, que normalmente apresentam a fase de ondas lentas (slow-wave sleep – SWS), têm o potencial de mudar subsequentemente a arquitetura do sono noturno, modificando a distribuição dos estágios do sono durante a noite. “Uma vez que a necessidade do sono de ondas lentas já foi parcialmente saciada durante o dia, a pressão do sono homeostática, isto é a necessidade de dormir, é reduzida e o próximo episódio de sono noturno tende a ser mais superficial e menos restaurador”, explica Santos.

Estudos avaliam que, após a restrição aguda de sono, cochilos rápidos podem ser melhores que os maios longos na melhoria do estado de alerta e do desempenho cognitivo. Isso porque as sonecas de curta duração apresentam maiores quantidades de movimentos oculares não rápidos (NREM) e menor prevalência da fase do sono de ondas lentas.

Segundo Louzada, os cochilos podem trazer benefícios e o problema surge quando eles começam a afetar o sono noturno, em geral por serem mais longos. “O indicado é que sejam de períodos mais curtos e, preferencialmente, após o almoço. Se forem muito próximos ao horário de dormir, por exemplo no final da tarde, podem gerar problemas”.

Jovens que cochilam de dia normalmente não dormem oito horas por noite
A maioria (58%) dos adolescentes entrevistados relatou cochilar durante a semana. Entre esses, mais de um terço (36%) pratica esse hábito de uma a duas vezes na semana, enquanto 27% costumam tirar sonecas de três a quatro vezes no período. Os cochilos prolongados prevaleceram, com 45% dos jovens relatando mais de 60 minutos de duração.

A quantidade de jovens que não dorme as oito horas recomendadas é maior no grupo que costuma cochilar durante o dia, 76%, contra 67% dos que não apresentam esse hábito. A sonolência em sala de aula também foi relatada por um número maior de adolescentes que cochilam, 22%, enquanto apenas 10% dos demais têm esse sintoma.

“Cochilar se revelou uma prática comum em nossa amostra de estudo, apontando para um padrão de cochilos frequentes e prolongados. Acreditamos que os adolescentes adotam esse hábito para compensar a elevada sonolência diurna. Contudo, as sonecas longas têm o potencial de atrasar o início do sono no período noturno”, destaca Santos. A restrição de sono noturno adequado leva a comportamentos rotineiros de cochilo frequentes e prolongados, o que pode aumentar o estado de alerta durante a noite e, portanto, ocasionar o adormecimento tardio.

Por que isso acontece?
Segundo os pesquisadores, a propensão ao sono depende de dois processos: o homeostático, que é relacionado ao número de horas acordadas de uma pessoa, e o circadiano, que depende da hora do dia. “Há evidências de que, na adolescência, o aumento da propensão ao sono devido ao número de horas acordadas se acumula mais lentamente, ou seja, essa faixa etária precisa de mais horas acordadas para sentir sono”, informa o professor. Por isso, eles associam o horário de início das aulas no período da manhã à restrição crônica do sono e aos hábitos de cochilo.

As mudanças biorregulatórias da puberdade, combinadas com pressões psicossociais e tempo excessivo do uso de tela contribuem para a manifestação da fase de sono atrasada. Os horários de início das primeiras aulas da manhã podem ser a gota d’água para desencadear esse processo vicioso entre restrição de sono e hábitos inadequados de cochilo, acreditam os autores. Eles afirmam que não é possível modificar a fase de sono atrasada, característica da puberdade, por isso atrasar o horário das aulas seria a solução mais viável.

Os resultados do estudo destacam, portanto, a importância de discutir o horário de início escolar mais tardio com educadores, pais e formuladores de políticas públicas, bem como de implementar hábitos saudáveis de cochilo durante a adolescência.

“Cochilar durante o dia pode ser uma estratégia eficiente para neutralizar a restrição de sono, mas precisa ser adotada com cuidado devido aos efeitos prejudiciais no sono noturno. Considerando que esse é um hábito culturalmente embutido na população brasileira, medidas como as citadas serão úteis para melhorar a quantidade e a qualidade de sono e para promover vantagens para o desempenho mental e para o bem-estar”, analisa o doutorando.

Metodologia

A amostra de 1.554 alunos de escolas públicas curitibanas de ensino médio é considerada representativa, tendo em vista o número de matrículas registrado pela Secretaria da Educação e do Esporte do Paraná no ano de 2019: 55.390. Os adolescentes entrevistados pertenciam ao turno da manhã, cujas aulas iniciam às 7h30. A coleta de dados foi realizada entre março e junho de 2019.

Os questionários incluíram informações demográficas e adaptações da Escala Pediátrica de Sonolência Diurna (Pediatric Daytime Sleepiness Scale – PDSS), da Escala Amanhecer e Entardecer (Morningness ande Eveningness Scale – M/E), e do Índice de qualidade do sono de Pittsburgh (Sleep Quality Index – PSQI). Os alunos também foram questionados sobre os hábitos de cochilo, incluindo a frequência e a duração de suas sonecas por semana.

Links
Reportagem completa: https://ciencia.ufpr.br/portal/?p=20128
Artigo: https://bit.ly/3rAvMWF

pauta.sucom@ufpr.br

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