Por Wanda Camargo
Quando se pensa em trabalho infantil, ou até adolescente, não se pode esquecer as grandes diferenças entre os vários tipos específicos de trabalho e trabalhadores.
Em um extremo, as crianças até muito novas que, movidas pela miséria e exploradas, trabalham em condições insalubres, perigosas, mal ou nem sequer pagas; numa afronta às leis e à humanidade. As consequências disso são terríveis, afora as inevitáveis sequelas físicas de esforços incompatíveis com a formação do corpo, existirão as psicológicas e intelectuais que determinarão até a vida futura da pessoa.
Num território amplo de caracterização dúbia, os menores aprendizes, com trabalho protegido pela legislação e que geralmente os capacita para futuras profissões; os meninos e meninas que complementam o trabalho dos pais em regiões agrícolas com auxílios pontuais e exercidos em pequena parcela do tempo; aqueles que prestam ajuda a familiares cuidando de irmãos menores ou fazendo pequenos serviços domésticos de curta duração e não pesados. Uma parte significativa dessas atividades resultará em algo positivo para a maturidade dos adolescentes e em benefício social.
O outro extremo é formado por crianças e adolescentes privilegiados por grandes talentos físicos ou artísticos e que têm suas qualidades reconhecidas, e talvez também exploradas, por pais ou outros adultos. Neste segmento estão atletas, cantores, atores, que fazem sucesso muito cedo. Alguns deles tem a felicidade de contar com mentores de bom senso que não os submetem a treinamentos exaustivos que os façam perder infância ou juventude, nem os deixam perder a noção da realidade: infelizmente muitos se perdem na bajulação de “parças”, no aplauso de plateias e na falsa subserviência de empresários a quem enriquecem. Disso podem resultar seres humanos incapazes de conviver até com a simples ideia de limites, com as consequências relatadas por vezes em páginas policiais.
Num mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo, o correto não é, em idade de brincadeiras descompromissadas, de estruturação cerebral para compreender o mundo e os relacionamentos, estarmos insistindo na formação de “profissionais”, no momento em que transformações no mundo do trabalho são rápidas e indiscerníveis no médio ou longo prazo. A boa formação humana e o adequado processo de maturidade emocional são condições essenciais não apenas para o trabalho, mas antes de tudo para a existência.
Ocupações parecem mais desenhadas num horizonte próximo, múltiplas e diversas, exigindo conhecimentos genéricos, habilidades sociais, muita capacidade de adaptação, melhor domínio da informática e linguagem, além de aptidão para o trabalho em grupo.
O trabalho tem sido o princípio educativo geral de todo o sistema escolar, em especial no ensino médio, em que o jovem está em franca procura de definições sociais, morais e intelectuais. Por ser a fase final do ensino básico, é de caráter formativo não profissionalizante, e a excessiva apologia da profissionalização precoce é uma declaração da falência e do abandono do ensino médio de inspiração humanística.
Um jovem de 17 ou 18 anos pode entrar num curso superior e estar formando por volta de vinte e muito poucos anos, iniciando uma vida profissional extremamente exigente em termos pessoais, antes de ter convivido com mais pessoas em muitas faixas etárias, ter passado por experiências marcantes, lido muitos livros que seriam essenciais para que ele entendesse efetivamente o que pensam, até como enganam e se enganam os demais seres humanos, ter condições de realizar conexões intrincadas, perceber evidências, ser capaz de abstrações, compreender as causalidades.
Realizar a escolha pelo estudante, quando esse não tem ainda a maturidade para saber no que gostaria de trabalhar e estudar pelo resto de sua vida, pode não ser muito prudente, e não colabora para a felicidade de toda a comunidade. Claro que é melhor do que não ter profissão ou vocação, porém poderia ser um pouco mais tarde, com maior maturidade e empatia com os demais.
A verdade é que seres humanos completam seu desenvolvimento mais próximos aos trinta que aos vinte anos, e é lamentável que, sendo um país tão rico em insumos, com uma natureza tão exuberante, com um solo tão produtivo, não tenhamos desenvolvido riqueza suficiente para permitir que nossa juventude possa usufruir um pouco mais de estudos antes de iniciar a vida laboral, que hoje irá se estender até o final da existência, já que empregos e aposentadorias estão com os dias contados, e possivelmente precisaremos “ganhar a vida” até idade avançada.
Quanto mais estudo, maior flexibilidade, poder de decisão, criatividade e potencial para a inovação.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.