Por Wanda Camargo*
Theodor Adorno, filósofo e sociólogo, sempre postulou que o papel da educação é o de ser um contraponto à barbárie. Segundo ele, “a tentativa de superar a barbárie é decisiva para a sobrevivência da humanidade”, e foi intransigente na defesa dos princípios civilizatórios, da individualidade humana e contra o histórico de violências, das opressões, e da negação da cultura.
Como vemos agora no Afeganistão, barbárie e alienação política são aliados na massificação e naturalização da ausência de reflexão, que destrói a comunidade, permite atos selvagens de agressão, a guerra física e cultural, e o impedimento puro e simples da educação, principalmente entre as mulheres.
Aqui, assistimos indiferentes um ministro da Educação afirmar que universidade deveria ser para poucos, e que declara surpresa diante de algumas atribuições da entidade que deveria dirigir. Sua gestão tem se destacado pela omissão em relação à pandemia, suspeitas de favorecimento a grupos religiosos, inépcia do Enem, ocupantes de vários cargos trocados com frequência, desastres em assuntos essenciais para um funcionamento pelo menos regular.
No entanto, não vê problemas em jovens advindos da faixa econômica mais privilegiada ocuparem muitas vagas nas universidades públicas, pois seus pais “pagam os impostos no Brasil que sustentam bem ou mal a universidade pública”, sem lembrar a falta de isonomia daqueles alijados de um bom sistema educativo, se queixa de suas muitas atribuições, enquanto terminou o ano anterior com o menor gasto em educação básica na última década, e muitas escolas permanecem sem bibliotecas, áreas esportivas e laboratórios razoavelmente equipados para aulas de física, química e outras disciplinas essenciais para que o país se torne minimamente competitivo em ciência e tecnologia, e o jovem de periferia tenha condições básicas para um ensino de qualidade.
O ministro acumula crises em sua área, mas infelizmente não é o único dirigente federal a ter esse privilégio, e recentemente sua declaração de que “deficientes atrapalham” mostra exatamente a pouca compreensão do processo educativo, a falta de empatia que beira a crueldade, desconhecimento do conceito de inclusão e o desprezo pela unidade que dirige.
Crise, palavra herdada do grego, significa “juízo”, “ponto crítico”, e também “contenda” ou “disputa”, um padrão do qual podemos conceber adjetivos pertinentes à arte de julgar. Esta palavra tem sido bem frequente em mídia escrita ou televisiva, nas conversas do dia a dia, e de tempos em tempos é utilizada para justificar aumento de preços, dificuldades financeiras, criação de novas taxas ou tudo isso junto.
Qualquer acontecimento adverso costuma ser “culpa da crise”; uma atribuição de responsabilidade despersonalizada, feita por uma entidade abstrata, num período “conjuntural” mas que precisa ser suportada para atingirmos o paraíso, ou qual seja o nome de uma situação mais próspera ou desejável. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 1929, que causou colapso da bolsa e uma série de suicídios, mas nossa memória é curta.
Já a crise da educação no país prescinde memória, está sempre presente e só se intensifica. Interessante que pagamos regiamente para várias autoridades com a finalidade de administrá-la, porém, à exceção de uma ou outra figura destacada de nossa história, como Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e uns poucos – muito poucos – outros, tem sido uma catástrofe.
Foi na instalação da República em que se efetivou a separação entre a Igreja e o Estado, e a questão educacional surge como o objeto de atenção da intelectualidade, embora educadores não tivessem assumido papel central na resolução dos problemas do atraso, ignorância e pobreza, e principalmente da falta de espírito público que sempre caracterizou grande parte de nossos políticos. Já em 1932, pensadores da educação defendiam a laicidade no ensino, combatida na época pelo catolicismo, e hoje assistimos o ressurgimento do objetivo de reconectar religião e Estado, teoricamente embasada pela a defesa da ordem, hierarquia, educação guiada pelos princípios religiosos, contrários ao liberalismo, liberdade de informação e pensamento, e também apenas submetido ao poder do Estado, quando este é supervisionado pelas entidades não seculares. O fortalecimento da família, a censura à imprensa, o combate ao “comunismo”, às transformações sociais, passam a ser mais importantes que o pensamento crítico e ampliação cultural.
Fora da área educacional a premeditada destruição que tem sido levada a cabo no Ministério da Educação não deve ser facilmente percebida, pois a crise na Saúde absorve os noticiários; nunca chegamos a ter real qualidade, e estamos desconstruindo o pouco que havíamos conquistado.
Estamos mais preocupados com guerras culturais, ideologias malucas, e o futuro não se mostra promissor.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.