A genética não determina tudo (o treino e o esforço devem ser considerados), mas é capaz de ser um fator importante, principalmente em esportes de alto nível, com atletas competitivos e no mesmo nível. Qualquer melhora e pequena diferença pode ser muito significativa.
Esforço, treino… o que faz de um atleta um verdadeiro campeão olímpico? “Na verdade, há uma interação entre esforço, treino, preparo mental e aptidão para aquele tipo de exercício, que é influenciado diretamente pela genética”, explica o geneticista Dr. Marcelo Sady, Pós-Doutor em Genética e diretor geral da Multigene. E acredite, o conhecimento da genética pode levar a melhores resultados. Abaixo, conversamos com o especialista, e também com a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez (professora e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia), para detalhar melhor a influência genética que corre nas veias dos campeões:
O desempenho dos atletas olímpicos nas competições esportivas é resultado apenas de esforço e treino? Ou a genética também influencia na performance esportiva?
Dr. Marcelo Sady: Há uma interação entre esses fatores, o que vai levar a melhores resultados. E depende muito da modalidade. Em algumas, a influência genética é bem maior do que em outras. Mas o fato é que existem genes que estão associados a maior aptidão para exercício de força e velocidade, e outros para endurance (resistência, longa duração). Por exemplo, pouco antes das Olimpíadas de 2016 foi publicado um artigo que trabalhou com os melhores corredores de 100, 200 e 400 metros de 10 países diferentes, incluindo Estados Unidos, Canadá e Brasil. Eles verificaram com relação à corrida de 100 metros que a genética não influenciou. Mas para a corrida de 200 e 400 metros, aqueles indivíduos portadores de alelos que levavam a maior aptidão para exercício de força e velocidade apresentaram os melhores tempos. Na corrida de 400 metros, apenas os indivíduos que eram portadores de alelos que levavam a maior aptidão para exercícios de força e velocidade conseguiram se classificar para as Olimpíadas. Segundo os autores, a genética pode fazer a diferença entre um pódio olímpico e um recorde, já que esses atletas têm nível alto de treinamento, além do acompanhamento psicológico e nutricional.
De que forma a genética pode melhorar o desempenho dos atletas olímpicos? (Aumenta a força, a resistência e a agilidade?)
Dr. Marcelo Sady: Foi feito um estudo no Brasil em 2013 na Unifesp com um time de basquete e havia um jogador, que jogava mais no garrafão e vivia apresentando lesões. Nessa posição (no garrafão) é um lugar em que se precisa de mais força, impulsão e velocidade. Quando fizeram a análise dos genes, verificaram que ele tinha maior aptidão para o exercício de endurance. Então, eles utilizaram essa informação genética para modificar o treinamento do atleta. Por exemplo, ele passou a levantar menos peso, com um número maior de repetições, e isso ajudou a diminuir o número de lesões. E houve uma mudança tática também e ele passou a sair mais do garrafão e correr mais. Como o atleta apresentou uma maior aptidão para exercício de endurance, a ideia era que ele corresse mais que os oponentes, para depois disso aproveitar para melhorar os resultados. E foi exatamente o que aconteceu: ele melhorou a maneira de jogar e os resultados dele. Então, essa informação genética serve para isso: adequar o treinamento e minimizar o risco de lesões. Depender de vários aspectos, como esforço e treino, que são fundamentais; não é só a genética. Mas ela pode fazer a diferença e mostrar qual o melhor tipo de treinamento para aquele indivíduo, se ele vai se recuperar mais rápido, em 24, 48 ou 72 horas. Se o atleta precisa de 72 horas para se recuperar, não adianta pedir para ele voltar no dia seguinte para continuar o treino. Ele precisa de um tempo maior para se recuperar. Então a genética vai ajudar a adequar isso.
A influência genética é mais importante em algumas modalidades esportivas do que outras?
Dr. Marcelo Sady: Com certeza. Na força e velocidade, a genética é muito importante.
Se um atleta fizer um exame genético, como ele pode utilizar essa informação sobre seus genes para potencializar ainda mais seu desempenho?
Dr. Marcelo Sady: Esse exemplo do atleta mostra exatamente isso. Você pode utilizar essa informação genética para melhorar o seu treino, o tempo de recuperação, evitar ocorrência de lesões, modificar a tática, tudo isso vai te ajudar a potencializar os resultados. E pequenas diferenças podem ser muito significativas em uma olimpíada. A gente nunca pode esquecer que a Maurren Maggi ganhou uma medalha de ouro por 1cm de diferença na prova de salto em distância. Assim é esporte de alto nível. Os atletas são muito competitivos, com níveis parecidos, qualquer melhora e pequena diferença pode ser muito significativa.
Atletas que possuem genética mais favorável para a prática esportiva serão necessariamente melhores do que aqueles que não possuem essas características?
Dr. Marcelo Sady: Depende, na maioria dos casos a genética vai influenciar bastante, mas esforço, treino, motivação podem fazer a diferença. Existem relatos de excelentes atletas de endurance que não tinham a melhor combinação genética, mas mesmo assim eram campeões e extremamente competitivos.
Assim como pode contribuir, a genética também pode prejudicar a performance desses atletas? Como?
Dr. Marcelo Sady: Se um indivíduo é um corredor de endurance, mas tem aptidões para exercícios de força e velocidade, isso vai diminuir a performance desse atleta. Se ele tem variantes genéticas que levam a um maior nível de lesões, ele vai se lesionar mais e isso pode até interromper a carreira desse atleta. Conhecer a genética é importante.
Como o atleta pode contornar essas dificuldades genéticas?
Dr. Marcelo Sady: Isso varia de caso a caso. Existem algumas dificuldades genéticas que ficam difíceis de serem contornadas, mas a maioria é possível. Por exemplo, existem genes que possuem variantes genéticas que levam a um maior risco de ter tendinopatia de aquiles, de rompimento do cruzamento anterior do joelho, deslocamento de ombros, então o que pode ser feito? Modular a expressão desses genes. Nesses casos, há uma metaloproteinase que é extremamente importante para nossa saúde: quando é produzida em excesso, aumenta o risco de lesões. Mas é possível modular isso com suplementação, por exemplo. Se você usar berberina, quercetina e curcumina, por exemplo, vai ajustar a expressão desses genes, o que vai levar a uma função adequada, sem exagero, reduzindo o risco de lesões. Por exemplo, eu sou portador de um alelo que leva a um risco 2,5 vezes maior de ter tendinopatia de aquiles. A partir do momento que eu passei a modular a expressão dos meus genes, eu praticamente anulei essa suscetibilidade genética. Se eu sou um atleta de endurance, mas tenho uma maior quantidade de fibras do tipo 2 (fibras musculares que são usadas para contrações rápidas) por conta da minha genética, no final de uma corrida, eu posso ter mais aptidão para dar um split final e vencer do aquele indivíduo que não tem aquela aptidão. Esse conhecimento ajuda a vencer as provas e obter melhores resultados.
Como esses suplementos podem reduzir o risco de lesões?
Dra. Marcella Garcez: Uma dieta equilibrada, que inclui alimentos com funcionalidades anti-inflamatórias e antioxidantes, pode ajudar a reduzir o risco de manutenção do estado inflamatório em atletas e praticantes de atividade física de grande intensidade e frequência. Entre os vários nutracêuticos presentes em alimentos com funcionalidades anti-inflamatórias podemos citar a curcumina, um pigmento que além de dar cor à Curcuma longa, também chamada açafrão-da-terra, tem grande atividade antioxidante e pode ser incluída no hábito alimentar, com benefícios à saúde. Além da curcumina, outro potente antioxidante com atividade anti-inflamatória é a quercetina, encontrada em vários alimentos, como alcaparras, pimentões, cebolas, maçãs com casca, uvas vermelhas, brócolis e limões, que podem estar presentes no hábito alimentar dos praticantes de atividades físicas. Além desses dois nutracêuticos, curcumina e quercetina, também tem efeito benéfico os ácidos graxos ômega 3, particularmente o EPA (eicosapentaenoico) e o DHA (docosaexaenoico), que em quantidades adequadas pode ter ações anti-inflamatórias, cardioprotetoras e neuroprotetoras, e também a berberina, um alcaloide natural encontrado plantas como a Berberis Vulgaris, utilizada há milênios pelas medicinas chinesa e ayurveda, com benefícios à saúde, como regulação do metabolismo energético, ingestão de alimentos e da sensibilidade à insulina pelos tecidos. Todos eles, e outros dependendo da orientação, podem ser consumidos através de prescrição médica, para o tratamento complementar, prevenção e redução de riscos de lesões mediadas por reações inflamatórias, em portadores de polimorfismos genéticos, que os tornam mais suscetíveis.
FONTES:
*DRA. MARCELLA GARCEZ: Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. A médica é Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR, Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo. CRM-PR 12559 e RQE 16019.
*DR. MARCELO SADY: Pós-doutor em genética com foco em genética toxicológica e humana pela UNESP- Botucatu, o Dr. Marcelo Sady possui mais de 20 anos de experiência na área. Speaker, diretor Geral e Consultor Científico da Multigene, empresa especializada em análise genética e exames de genotipagem, o especialista é professor, orientador e palestrante. Autor de diversos artigos e trabalhos científicos publicados em periódicos especializados, o Dr. Marcelo Sady fez parte do Grupo de Pesquisa Toxigenômica e Nutrigenômica da FMB – Botucatu, além de coordenar e ministrar 19 cursos da Multigene nas áreas de genética toxicológica, genômica, biologia molecular, farmacogenômica e nutrigenômica.