Por Nelson Wilians*
A frase “nunca desperdice uma boa crise”, do ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill, praticamente virou um preceito nesse “novo normal” que vivemos atualmente.
O momento é mesmo propício para transformações à medida que o coronavírus perde força. Mas, mais do que apenas estimular o crescimento econômico, devemos nos guiar para construir uma nova realidade, que passa, necessariamente, por uma reforma política.
Há anos na pauta parlamentar (desde a promulgação da Constituição, em 1988), a reforma política resume-se quase sempre a interesses eleitorais casuísticos, de curto prazo, como a PEC que está agora na CCJ do Senado.
Melhorar e fortalecer o sistema eleitoral e os partidos políticos com o objetivo de torná-los legitimamente democráticos e facilitar os processos eleitorais, sem dúvida, é muito importante. No entanto, essa é apenas uma das faces de uma mudança maior, que passa ainda por apurar a governança do Estado e tornar a administração mais eficiente.
Num contexto mais amplo, a reforma política deve reparar o próprio processo de tomada de decisão, alicerçado nos princípios democráticos, e, obviamente, ser a base para novos sistemas institucionais.
Em suma, a reforma política deve encontrar meios para que os brasileiros exerçam o poder constitucional diretamente; e o aperfeiçoamento e a elaboração de novas estruturas institucionais são questões-chave até para a sobrevivência da democracia.
Nesse sentido, a reforma política deve ser vista como fundamental na crítica às relações estruturais que compõem o sistema, com a possibilidade, inclusive, dos cidadãos revogarem mandatos governamentais. A democracia representativa precisa ser aprimorada para tornar os partidos políticos verdadeiramente democráticos e facilitar os processos eleitorais.
As atuais instituições não conseguem cumprir totalmente os objetivos da Constituição, evidenciando um abismo entre o eleitorado e seus representantes, e, portanto, abrindo espaço para inconsequências oportunistas que desafiam os processos democráticos, e, para as quais, não temos uma apólice de seguro. Vide a proposta aprovada pela Câmara no mês passado com a volta das coligações em eleições proporcionais, que haviam sido derrubadas pelo Congresso em 2017. Por sorte, o tema foi barrado no Senado (vale ressaltar que o Brasil mexe no seu sistema eleitoral e político praticamente a cada biênio).
Uma descentralização do sistema judiciário, com mecanismos que tornem esse órgão responsável perante a população, também é necessário para uma revisão na forma, por exemplo, de como os juízes são nomeados e os cargos nos tribunais, incluindo o Supremo Tribunal Federal, são preenchidos.
A reforma política não possui uma única frente, mas deve ser sim a primeira de todas as reformas, para garantir a democracia, fomentar a participação e incluir projetos verdadeiros de mudança social. Porém, que seja uma discussão feita por toda a sociedade brasileira. Só é impossível se não tentarmos.
*Nelson Wilians é empreendedor e advogado