Para que se possa compreender o que tem tomado os noticiários nos últimos dias, em relação ao Afeganistão, faz-se imprescindível voltar os olhos ao ano de 2001, uma vez que o cenário de 2021, em termos de sociedade internacional, vem a ser muito diferente daquele que existia no primeiro momento.
Em 2001, a Organização das Nações Unidas, por intermédio de seu Conselho de Segurança, adotou, por unanimidade, a Resolução 1368, em 12 de setembro de 2001, discriminando que os ataques de 11 setembro foram, de fato, ataques terroristas, configurando-os como uma ameaça à paz e segurança internacional. Neste momento, a ONU entendeu que toda a conjuntura dos ataques havia não apenas trazido à tona as atrocidades capazes de serem realizadas pelo homem, mas também a violação ao artigo 39 de seu Carta.
Além disso, os países, por intermédio de tal Resolução, reconheceram o direito de legítima defesa individual ou coletiva, sinalizando para a possibilidade e a autorização de invasão, por parte dos Estados Unidos, do território afegão. Lembremos: neste momento, Rússia e China chancelaram a ação militar dos Estados Unidos, acordando com os termos da Resolução 1368. Mais adiante, tal Resolução fora confirmada pela Resolução 1373, de 28 de setembro de 2001. Em poucos dias, em 07 de outubro do mesmo ano, os Estados Unidos, apoiado pela Aliança do Norte, invadiram o Afeganistão.
Hoje, diferentemente daquele momento, o Conselho de Segurança não está em vias de adotar uma Resolução que permita uma intervenção e sequer está-se diante de um cenário de consenso na sociedade internacional. Exemplo disso é o que ocorrera na reunião do último dia 16, quando então a Índia, que se encontra na presidência rotativa do Conselho de Segurança, rejeitou um pedido para que o Paquistão, histórico aliado do Afeganistão, viesse a falar na reunião.
Ademais, Rússia e China já sinalizaram que pretendem manter e desenvolver relações amigáveis com o regime Taleban: a Rússia não retirou seu corpo diplomático (estabelecendo contato com representantes e novas autoridades) e a China declarou expressamente que irá trabalhar para manter os laços com o governo Taleban (a partir de uma relação amigável e de cooperação).
O temor é que o Afeganistão, a partir das influências e do cenário político internacional, vire uma nova Síria, já que, nitidamente, o Conselho não alcançará uma posição unânime como conseguiu em 2001.
Mas e a sociedade afegã? Qual é sua posição? A população urbana, que se encontra representada majoritariamente nas repercussões midiáticas sobre a situação do Afeganistão, de fato, não concorda com o restabelecimento de tal regime conservador e que, até mesmo, flerta com o terrorismo.
Não obstante, a grande maioria da população afegã, que se encontra em zonas rurais, nunca se viu devidamente representada pelas forças aliadas estrangeiras e sequer pelo governo que em Cabul encontrava-se presente: muitos sentiam-se subrepresentados e simpatizantes daqueles valores proclamados pelo Taleban. Assim, ainda que haja uma constante violação dos direitos humanos, há um reconhecimento explícito de boa parcela da população afegã – aquela que não está aparecendo nos noticiários – que sim, sente-se representada pelo atual governo.
Infelizmente, quem está sendo mais afetado pela situação atual no Afeganistão é a população vulnerável: o direito das crianças é uma das grandes preocupações da comunidade internacional, especialmente das agências da ONU. Ainda que o Taleban tenha feito promessas de proteção aos vulneráveis, fica muito difícil crer que tais serão cumpridas.
Segundo os dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), aproximadamente 18 milhões de pessoas encontram-se na vulnerabilidade e necessitam de ajuda humanitária no país. Neste ano, ainda, estima-se que uma em cada três crianças encontre-se extremamente desnutrida. O chefe de operações de campo e emergências do UNICEF, Mustapha Bem Messaoud, relatou os impactos do já presente novo conflito: crianças famintas, gravemente feridas e extremamente desnutridas.
O que a comunidade internacional pode fazer, neste momento, que independa de uma atuação militar, é unir esforços para que as agências internacionais, bem como as organizações não-governamentais continuem atuando no país. O futuro do Afeganistão e, especialmente, da população mais necessitada afegã depende do esforço de toda a comunidade internacional. Seja quem estiver ocupando o governo de Cabul, a população precisa ter a garantia de que seus direitos, a duras custas conquistados, não será objeto de transações e, muito menos, de transgressões.
*Priscila Caneparo é doutora em Direito Internacional pela PUC-SP, coordenadora da Clínica de Direito Internacional do UniCuritiba, professora dos cursos de Direito e Relações Internacionais do UniCuritiba e membro da Academia Brasileira de Direito Internacional.
Em 2001, a Organização das Nações Unidas, por intermédio de seu Conselho de Segurança, adotou, por unanimidade, a Resolução 1368, em 12 de setembro de 2001, discriminando que os ataques de 11 setembro foram, de fato, ataques terroristas, configurando-os como uma ameaça à paz e segurança internacional. Neste momento, a ONU entendeu que toda a conjuntura dos ataques havia não apenas trazido à tona as atrocidades capazes de serem realizadas pelo homem, mas também a violação ao artigo 39 de seu Carta.
Além disso, os países, por intermédio de tal Resolução, reconheceram o direito de legítima defesa individual ou coletiva, sinalizando para a possibilidade e a autorização de invasão, por parte dos Estados Unidos, do território afegão. Lembremos: neste momento, Rússia e China chancelaram a ação militar dos Estados Unidos, acordando com os termos da Resolução 1368. Mais adiante, tal Resolução fora confirmada pela Resolução 1373, de 28 de setembro de 2001. Em poucos dias, em 07 de outubro do mesmo ano, os Estados Unidos, apoiado pela Aliança do Norte, invadiram o Afeganistão.
Hoje, diferentemente daquele momento, o Conselho de Segurança não está em vias de adotar uma Resolução que permita uma intervenção e sequer está-se diante de um cenário de consenso na sociedade internacional. Exemplo disso é o que ocorrera na reunião do último dia 16, quando então a Índia, que se encontra na presidência rotativa do Conselho de Segurança, rejeitou um pedido para que o Paquistão, histórico aliado do Afeganistão, viesse a falar na reunião.
Ademais, Rússia e China já sinalizaram que pretendem manter e desenvolver relações amigáveis com o regime Taleban: a Rússia não retirou seu corpo diplomático (estabelecendo contato com representantes e novas autoridades) e a China declarou expressamente que irá trabalhar para manter os laços com o governo Taleban (a partir de uma relação amigável e de cooperação).
O temor é que o Afeganistão, a partir das influências e do cenário político internacional, vire uma nova Síria, já que, nitidamente, o Conselho não alcançará uma posição unânime como conseguiu em 2001.
Mas e a sociedade afegã? Qual é sua posição? A população urbana, que se encontra representada majoritariamente nas repercussões midiáticas sobre a situação do Afeganistão, de fato, não concorda com o restabelecimento de tal regime conservador e que, até mesmo, flerta com o terrorismo.
Não obstante, a grande maioria da população afegã, que se encontra em zonas rurais, nunca se viu devidamente representada pelas forças aliadas estrangeiras e sequer pelo governo que em Cabul encontrava-se presente: muitos sentiam-se subrepresentados e simpatizantes daqueles valores proclamados pelo Taleban. Assim, ainda que haja uma constante violação dos direitos humanos, há um reconhecimento explícito de boa parcela da população afegã – aquela que não está aparecendo nos noticiários – que sim, sente-se representada pelo atual governo.
Infelizmente, quem está sendo mais afetado pela situação atual no Afeganistão é a população vulnerável: o direito das crianças é uma das grandes preocupações da comunidade internacional, especialmente das agências da ONU. Ainda que o Taleban tenha feito promessas de proteção aos vulneráveis, fica muito difícil crer que tais serão cumpridas.
Segundo os dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), aproximadamente 18 milhões de pessoas encontram-se na vulnerabilidade e necessitam de ajuda humanitária no país. Neste ano, ainda, estima-se que uma em cada três crianças encontre-se extremamente desnutrida. O chefe de operações de campo e emergências do UNICEF, Mustapha Bem Messaoud, relatou os impactos do já presente novo conflito: crianças famintas, gravemente feridas e extremamente desnutridas.
O que a comunidade internacional pode fazer, neste momento, que independa de uma atuação militar, é unir esforços para que as agências internacionais, bem como as organizações não-governamentais continuem atuando no país. O futuro do Afeganistão e, especialmente, da população mais necessitada afegã depende do esforço de toda a comunidade internacional. Seja quem estiver ocupando o governo de Cabul, a população precisa ter a garantia de que seus direitos, a duras custas conquistados, não será objeto de transações e, muito menos, de transgressões.
*Priscila Caneparo é doutora em Direito Internacional pela PUC-SP, coordenadora da Clínica de Direito Internacional do UniCuritiba, professora dos cursos de Direito e Relações Internacionais do UniCuritiba e membro da Academia Brasileira de Direito Internacional.