João Alfredo Lopes Nyegray*
Depois de quase duas décadas da invasão estadunidense ao Afeganistão, o país centro-asiático volta aos noticiários de forma dramática. O grupo fundamentalista Talibã dominou o Afeganistão desde a metade da década de 1990 até 2001. Após os ataques terroristas aos Estados Unidos , em 11 de setembro de 2001, o grupo recusou-se a entregar Osama Bin Laden aos EUA, que invadiu o país naquele mesmo ano e expulsou o Talibã de sua capital.
Desde então, os EUA investiram mais de um trilhão de dólares no Afeganistão, considerado um país estratégico não apenas por suas reservas de recursos naturais, mas também por sua localização: próximo do Irã, Índia, China e Paquistão – o único país de maioria muçulmana a ter bomba atômica. Em meio à retirada das tropas dos EUA – prevista para encerrar-se totalmente no mês de setembro –, o grupo fundamentalista Talibã retomou o controle do Afeganistão neste domingo, 15 de agosto.
Ainda que tenham sido expulsos da capital Cabul e de várias outras regiões do país em 2001, o Talibã nunca foi totalmente derrotado. Sua retomada do Afeganistão neste mês é o ponto máximo de uma campanha iniciada há alguns meses. Enquanto o exército oficial do país – treinado pelos EUA – retirava-se de áreas de batalha, o grupo recolhia armas e munições pelo caminho. Pela rápida evolução do Talibã pode-se afirmar que o grupo é muito mais do que insurgente.
Desde que o Talibã cercou Cabul, entre sexta-feira 13 e segunda-feira 16 de agosto, tristes imagens chegaram até nós. Ruas congestionadas no caminho em direção ao aeroporto internacional, famílias inteiras desesperadas correndo para entrar em qualquer avião, tiros disparados ao alto numa tentativa de conter os angustiados. Os professores já se despediram de suas alunas, acreditando que nenhuma menina maior de 10 anos poderá ter acesso à educação, como foi na outra época de domínio do grupo sob o país.
O presidente Ashraf Ghani deixou o Afeganistão, e foi seguido por outros políticos de forma quase imediata. No domingo 15 de agosto, os Talibãs já estavam no palácio presidencial alegando que a guerra havia acabado e que o país estava livre de seus dominadores. De um lado, o grupo extremista afirmou buscar o diálogo e uma transição pacífica de poder. De outro, garantiu buscar a conversão total de seu país e dos demais à visão mais conservadora e radical do islamismo. Alguns relatos dão conta de que estão exigindo que as famílias entreguem meninas e mulheres solteiras para que se tornem esposas dos combatentes. Por tudo isso, a afirmação Talibã de que respeitará os direitos das mulheres parece ser apenas uma tentativa de acalmar os ânimos de quem tenta fugir, para impor novamente seu domínio radical.
Em fevereiro de 2020, ainda sob o governo Trump, os EUA e o Talibã assinaram um acordo de paz no Catar. Dentre os objetivos do acordo estava não apenas a retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão, mas também a possibilidade de que essas tropas continuassem no país em caso de qualquer escalada de violência. Ainda que Cabul não tenha sido atacada nos últimos dias, o governo norte-americano se apressou a retirar seus nacionais do país.
Biden, até então, afirmava-se comprometido em retirar os estadunidenses dali. A grande dúvida no momento é se o atual presidente dos EUA cumprirá essa promessa, abandonando os afegãos à própria sorte. Os chineses já reconheceram o Talibã como governante oficial em seu país. Mês passado, representantes do grupo estiveram na China e disseram que jamais permitirão que alguém use o solo de seu país contra os chineses.
Os russos já declararam estar prontos para reconhecer o Talibã como a autoridade legítima do Afeganistão. Enquanto imagens femininas são pintadas e cobertas por toda Cabul, o Conselho de Segurança da ONU segue em reunião, discutindo os rumos que estão tão indefinidos quanto o futuro dos agoniados afegãos. A dúvida no momento é se Biden cumprirá sua promessa de retirada total das tropas, ou se os EUA retornarão ao país que invadiram há quase duas décadas, numa das mais caras guerras de sua história. Como fica a chamada guerra ao terrorismo? Poderia o acuado Estado Islâmico usar o Afeganistão como uma nova base?
Esse é o momento chave para definir qual será o legado de Joe Biden na presidência dos EUA: se um pacifismo pouco misericordioso, ou uma nova etapa na guerra ao radicalismo.
*João Alfredo Lopes Nyegray, advogado, bacharel em Relações Internacionais, especialista em Negócios Internacionais, mestre em internacionalização e doutorando em estratégia. É professor de Geopolítica e Negócios Internacionais e coordenador do curso de Comércio Exterior na Universidade Positivo.