Apesar de pouco conhecida, a imunoterapia já é amplamente utilizada para o tratamento de diversos tipos de câncer com vantagens sobre a quimioterapia, já que, ao invés de atacar diretamente as células cancerígenas, ensina o sistema imune a combater os tumores por conta própria.
O tratamento do câncer cerebral ainda é um grande desafio para a medicina, requerendo destreza e amplo conhecimento por parte do médico, já que as chances de cura desse tipo de tumor são atrapalhadas por uma série de fatores, como seu crescimento livre, acometimento de áreas potencialmente nobres do cérebro, disseminação de modo que dificulta a cirurgia e a forma que utiliza o organismo a seu favor, aproveitando-se, inclusive, do sistema imune, do metabolismo e dos nutrientes. Felizmente, com o avanço das tecnologias e pesquisas na área, novas terapias para o tratamento de tumores cerebrais vêm surgindo. E a imunoterapia, que já vem sendo muito utilizada em todo o mundo para o tratamento de uma série de tipos de cânceres, tem sido apontada como uma aposta promissora no combate aos tumores cerebrais. “A imunoterapia é uma modalidade inovadora de combate ao câncer, já que, ao contrário da quimioterapia e das terapias alvo moleculares, não ataca diretamente as células cancerígenas, mas sim confere meios para que o sistema imune reconheça o tumor como um corpo estranho e volte a atacá-lo”, explica o Dr. Gabriel Novaes de Rezende Batistella, médico neurologista e neuro-oncologista, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA).
Realizada em centros especializados através da aplicação intravenosa ou subcutânea, a imunoterapia age então treinando o sistema imunológico para que, por si só, atue no tratamento do câncer. “O sistema imune do organismo está sempre atento para combater processos infecciosos, agentes estranhos e células que possuem a possibilidade de tornarem-se câncer. Mas hoje sabemos que as células cancerígenas têm a habilidade de se esconderem do sistema imune. É através dessa sua capacidade que os tumores conseguem, em parte, crescer livremente, tornando-se cânceres. Mas, a partir do momento em que entendemos como as células cancerígenas realizam esse processo, conseguimos, por meio da imunoterapia, fazer com que o sistema imune volte a reconhecer o câncer e a combatê-lo. E os resultados são muito animadores”, destaca o especialista.
É justamente nesse ponto que a imunoterapia se diferencia dos demais métodos atualmente utilizados para o tratamento do câncer, como a quimioterapia. “O objetivo da quimioterapia é atuar diretamente na célula cancerígena. O problema é que células que se multiplicam rapidamente também acabam sendo alvos da quimioterapia, o que faz com que esse tipo de tratamento interfira em outros órgãos, explicando os diversos efeitos colaterais que proporciona, como a queda capilar, náusea ou diarreia”, afirma o neuro-oncologista. “A imunoterapia, por sua vez, age de maneira mais inteligente, ensinando o sistema imune a reconhecer as células cancerígenas para estabilizar ou melhorar progressivamente o quadro de tumor, o que não quer dizer, porém, que não possua efeitos colaterais, já que, por ativar o sistema imune, pode gerar um processo inflamatório em qualquer tecido do organismo, incluindo o cérebro. Mas, felizmente, podemos controlar grande parte desses sintomas quando identificados precocemente.”
Mas, engana-se quem acredita que a imunoterapia necessariamente substitui os tratamentos tradicionais. “Essa possibilidade de substituição existe, principalmente em pacientes que apresentam uma grande quantidade de tumores espalhados pelo corpo para diminuir a carga tumoral e assim possibilitar a realização de cirurgias ou radioterapia, que, caso contrário, não poderiam ser empregadas. Mas, na maior parte dos casos, as imunoterapias são utilizadas em momentos mais tardios, quando o paciente já passou por uma série de tratamentos, apesar de já ser utilizada como um tratamento de linha de frente para alguns tipos de câncer, como o melanoma, considerado o câncer de pele mais grave que, inclusive, tem mais chance de se espalhar para o cérebro do que a maioria”, afirma o Dr. Gabriel. “Além disso, existem diversos estudos apresentando excelentes respostas com a combinação de diferentes tratamentos, incluindo a radioterapia, a cirurgia e diferentes tipos de imunoterapia, o que abre espaço para que os tratamentos contra o câncer sejam cada vez mais personalizados.”
Porém, a imunoterapia não é recomendada para qualquer paciente. “Alguns fatores devem ser levados em consideração antes da recomendação da imunoterapia, incluindo mutações que favorecem o tratamento, o que pode ser investigado através de exames solicitados pelo neuro-oncologista ou oncologista, conhecimento prévio de que a imunoterapia funciona no tumor em questão e gravidade da doença. Mas estamos identificando cada vez mais biomarcadores que vão ajudar a selecionar pacientes com boas possibilidades de responder à imunoterapia”, diz o médico. Além disso, o custo da imunoterapia tende a ser mais elevado, um dos motivos que faz com que esse tipo de tratamento ainda não seja tão conhecido pelo público geral.
Por fim, vale ressaltar que, apesar de já ser amplamente difundida e utilizada, inclusive no Brasil, para o tratamento de uma série de cânceres, a imunoterapia, no caso dos tumores cerebrais, ainda é apenas uma possibilidade promissora. “A imunoterapia possui indicações ‘agnósticas’, isto é, é indicada independentemente do tipo ou local do tumor desde que possua aspectos genéticos específicos. E o cérebro está incluso nesse grupo. O problema é que os estudos que levaram a aprovação de imunoterapia para quadros agnósticos não contemplaram o cérebro, já que os tumores cerebrais são, em sua maioria, considerados ‘frios’, ou seja, possuem poucas células de defesa em seu emaranhado de células cancerígenas, o que dificulta a resposta à imunoterapia. Mas já existem muitos estudos em andamento com foco justamente em entender os mecanismos de resistência de alguns tumores, inclusive os cerebrais, com a imunoterapia”, finaliza o Dr. Gabriel Novaes de Rezende Batistella.
FONTE: DR. GABRIEL NOVAES DE REZENDE BATISTELLA – Médico neurologista e neuro-oncologista, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA). Formado em Neurologia e Neuro-oncologia pela Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, hoje é assistente de Neuro-Oncologia Clínica na mesma instituição. O médico é o representante brasileiro do International Outreach Committee da Society for Neuro-Oncology (IOC-SNO).