Falsas ruínas e fake news

 Por Wanda Camargo*

Um passado civilizado e glorioso foi sempre valorizado pela maioria dos povos, para poder provar que seu presente, suas normas e valores, ou seja, na verdade sua identidade, provem da materialidade de muitas eras de sua existência como um sistema complexo, que abrange linguagem, mitos, ideologias, filosofia, religião e vários outros componentes de sua vida social como superiores e justificando muitas vezes seu domínio sobre outros povos ou pelo menos sua significação cultural e moral elevada.

Por isso, uma disciplina científica, a arqueologia, nascida há quase dois séculos pela descoberta acidental das cidades de Pompéia e Herculano, teve um amadurecimento extraordinário, e inclusive, por sua proximidade com a História, através da memória cultural – um conjunto coordenado de representações comunitárias -, além de propiciar o nascimento do Turismo como atividade essencial às economias modernas, também não escapou das Fake News.

Foi o turismo e o interesse dos turistas pelos monumentos históricos, pelos museus arqueológicos, instalações onde se explicita o passado de uma nação e sua cultura, que efetivou a infraestrutura e os alicerces da atividade que ganhou força como fenômeno de massa, que a pandemia prejudicou porém parece ressurgir com força; aliás, o turismo resiste desde Plínio, o Jovem, no segundo século de nossa era, o qual registrou bastante seus movimentos, com curiosidade por aquilo que estava além do seu âmbito geográfico.

No entanto, os romanos não foram os primeiros a mostrar curiosidade pelas terras longínquas e a avançar para elas: os sumérios já eram descritos como aqueles que, ao inventar a moeda, tornaram possível pagar por serviços e facilitar viagens e acessos culturais. Sabemos também que as diferentes civilizações mesopotâmicas desenvolveram uma rede de estradas que ligava as principais cidades e que redes de transporte também foram criadas na Ásia Central – na China – na área onde seria estabelecida a chamada Rota da Seda. Também na Índia, Nepal, Tailândia, Irã, foram organizadas rotas de peregrinação, de finalidades religiosas ou de intercâmbio comercial, que podem ser identificadas com o turismo, e no Egito as estradas não eram tão necessárias já que muitos dos traslados eram feitos pelo Nilo – viagens de lazer foram feitas por faraós e pessoas do povo viajavam para muitas festas realizadas em locais as vezes distantes.

Entre os gregos, Heródoto viajou por todo o Mediterrâneo até a Babilônia, deixando como legado os primeiros “guias de viagens” preservados, Pausânias escreveu um Guia do Viajante para a Grécia entre 160 e 180 DC.

No período medieval a peregrinação religiosa, a guarda de relíquias, a conquista de terras para o cristianismo, foram importantes, mas viagens de coleta de artefatos culturais e de lazer ganharam força durante os séculos XVII e XVIII, quando se tornou moda que jovens de famílias abastadas europeias deviam visitar a Itália, passando algum tempo em Paris.

Na Europa como um todo o hábito persiste, jovens viajam até como um “rito de passagem”, marcando suas adolescências e propiciando abertura de albergues, pensões e organização de eventos de confraternização. Isso expande a literatura de viagem e o comercio de objetos que podem ser levados para casa, um próspero comércio de antiguidades, cujo outro lado da moeda era e continua sendo o florescente negócio de falsificações.

Durante muitos anos, esteve “na moda” que famílias prósperas tivessem em suas casas de campo ruinas fabricadas para distrair seus hóspedes e visitantes, cópias de algumas autênticas inclusive, ou criadas ao desejo do proprietário, para valorizar sua residência e obter a admiração de todos, criando um passado mais glorioso e cheio de referências.

Neste mesmo período obras e literatura mais especializadas, diretrizes para os viajantes, museus com objetivos didáticos, despertaram o desejo por objetos clássicos, resgatando de certa forma um passado idealizado que, real e perdido, poderia ser colocado ao alcance da mão.

Embora estas ciências tenham evoluído muito e sejam ensinadas em boas escolas, ainda não conseguimos eliminar as adulterações que parecem acompanha-las de perto.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

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