Queda de torres de transmissão, no dia 23 de outubro, acarretou o desligamento de cinco unidades geradoras da usina, que manteve a produção de energia para o Brasil e o Paraguai. Ministro de Minas e Energia destaca resiliência do setor e elogia trabalho
Eram 12h57 do dia 23 de outubro (sábado) quando houve o desligamento de uma linha de 66 kV, interrompendo a transmissão de uma pequena parte da energia gerada pela hidrelétrica de Itaipu que alimenta os serviços auxiliares de Furnas no HVDC (corrente contínua de alta tensão). Esse incidente, logo identificado e corrigido pelas equipes de Tempo Real, poderia ser uma ocorrência de menor gravidade na rotina dos operadores e despachantes se não fosse a sequência de acontecimentos que viria a seguir, em razão da tempestade que atingiu a região.
O alerta já havia sido dado no dia anterior, em boletim meteorológico da Divisão de Estudos Hidrológicos e Energéticos de Itaipu, indicando a possibilidade de fenômenos climáticos moderados a ocasionalmente fortes na região Oeste do Paraná. Essa informação antecipada permitiu ao Operador Nacional do Sistema (ONS) preparar o sistema elétrico para suportar possíveis eventos no sistema de transmissão associados à Itaipu.
No início da tarde daquele sábado, o cenário mais crítico previsto pela equipe da Hidrologia se confirmou. Ventos fortes e chuvas intensas avançavam sobre o sistema de transmissão de Furnas, provocando eventos em série e desdobramentos variados na usina.
No mesmo horário do primeiro desligamento, às 12h57, houve falta de energia no Refúgio Biológico de Itaipu, alimentado pela usina. Às 13h10, alarmes anunciavam que a linha de 765kV Foz-Ivaiporã 2 também estava desligada. Às 13h42, a Segurança Empresarial comunicou à Diretoria Técnica que os ventos estouraram as portas de vidro do hall do Edifício da Produção. Aquele não seria um dia normal.
O engenheiro Paulo Zanelli Junior, gerente da Divisão de Operação da Usina e Subestações, responsável pelas salas de supervisão e controle central (CCR) e da subestação da margem paraguaia, anotou oito perturbações e 15 ocorrências operativas em apenas uma hora e meia – como partida e parada de unidades geradoras e abertura e fechamento do vertedouro. “Tudo isso vai acontecendo e gerando uma necessidade de ação, comunicação em tempo real, decisões rápidas, sempre pautadas em procedimentos vigentes, na habilidade e na experiência da equipe”, pontua.
Segundo ele, qualquer deslize – como desligar a unidade geradora errada ou trocar o vertimento de uma calha para outra – poderia agravar os problemas. “Quando você lê a letra fria de um relatório, não consegue sentir o que é o momento, ali na sala de controle. Foi um trabalho intenso da equipe binacional, que não parou em nenhum momento.”
Supervisor de turno da Sala de Controle do Despacho de Carga, o engenheiro Cláudio Henrique Cardoso diz que acontecimentos desta natureza exigem atenção, concentração e raciocínio das equipes de Tempo Real, que além de sempre atentos e disponíveis, devem analisar, entender, levantar dados técnicos, planejar, coordenar e executar a normalização dos sistemas afetados num curto período. “Em momentos de perturbação, as equipes são estressadas ao máximo”, salienta.
O gerente da Divisão de Programação e Estatística de Itaipu, Rafael Favoreto, menciona outro elemento que agrava a tensão quando os eventos são sequenciais e provocados por fatores externos: a incerteza. “Uma linha cai e volta em seguida; a outra cai e não volta, e é preciso isolá-la. Mas na hora você não sabe o que provocou os desligamentos, se foi vento, raio, queda de torre ou outro motivo”, anota o engenheiro, que no dia do temporal também respondia pelo Departamento de Operação do Sistema.
“São várias ações que o profissional está tomando na hora, mas o cérebro dele está ali também projetando o futuro: o que mais vai acontecer? Vai desligar tudo aqui? O que vem depois?”, complementa Paulo Zanelli, que compara a ação dos operadores a de um piloto de caça.
“Não é um piloto de um avião comercial. Porque é um profissional muito específico. Se eu for no mercado para buscar um operador para colocar na sala de controle, para tomar decisões, eu não vou achar. Posso achar o melhor operador, o melhor despachante, mas ele vai ter que chegar aqui e passar por um processo de preparação muito intenso. É um profissional que não está na prateleira”, conclui.
Sistemas de proteção
As maiores complicações da tempestade do dia 23 foram causadas pela queda de duas torres de transmissão de 750 kV, uma a 11 quilômetros da subestação de Furnas, em Santa Terezinha de Itaipu, e outra a 74 quilômetros, próximo de Medianeira. Cada torre levava linhas distintas do sistema de corrente alternada. O incidente acarretou o acionamento automático de proteções e o desligamento, em momentos diferentes, de cinco das dez unidades geradoras de Itaipu do setor de 60 Hz (frequência utilizada no Brasil) – entre as 20 unidades geradoras disponíveis da usina.
O temporal trouxe um problema adicional, com a redução na defluência e consequente queda no nível do Rio Paraná a jusante da usina. Como o Acordo Tripartite (do qual fazem parte o Brasil, Paraguai e Argentina) impõe limites de variação por hora e por dia nos níveis do rio (máximo de dois metros em 24 horas), foi preciso abrir o vertedouro da usina às 14h32.
Essa ação exigiu uma série de medidas, desde cálculos para saber a quantidade de água que seria vertida, a definição de quais calhas seriam usadas, conforme normativas vigentes, até o acionamento da Segurança Empresarial para verificar se havia pessoas transitando irregularmente nas margens a jusante. Um alarme também foi disparado antes de a água escoar pelas calhas, como medida adicional de segurança. Mesmo assim, a ação de abertura do vertedouro ocorreu em apenas três minutos após a caracterização e confirmação do risco de violação do Acordo Tripartite.
O vertimento do dia 23 ocorreu depois de esgotadas todas as alternativas operacionais possíveis e apenas o mínimo necessário para compensar a redução parcial da geração de energia. À medida que a Itaipu foi sendo demandada para o restabelecimento da geração, a vazão vertida foi reduzida até o completo fechamento do sistema, às 22h28 de sábado.
Rafael Favoreto lembra que havia mais de 500 dias que o vertedouro de Itaipu não era aberto – a última fora em 28 de maio de 2020 para permitir o escoamento da safra de grãos paraguaia para os portos argentinos, pelo Rio Paraná. “Nunca o vertedouro ficou fechado por tanto tempo e só foi aberto, neste caso, por evento extremo.”
O superintendente de Operação, José Benedito Mota Junior, destaca que o evento demonstrou não apenas o alto nível dos profissionais da Itaipu e de Furnas (que percorreram as linhas para localizar a origem do problema), como a confiabilidade dos equipamentos da usina, em perfeito estado de conservação. Ele observa que unidades geradoras que precisaram ser desligadas, após a queda das linhas de transmissão, retornaram sem problemas, rapidamente, assim que o sistema foi normalizado.
“Isso é um forte indício de que as instalações estão em excelentes condições, tem boa confiabilidade e estão disponíveis”, atesta o superintendente de Manutenção, Marco Aurélio Siqueira Mauro. A área atuou em diferentes momentos da tormenta, desde o reparo nos vidros do hall do Edifício da Produção até a verificação e o restabelecimento da conexão do Refúgio Biológico. Tudo conforme previsto nos planos de contingência.
Ministro de Minas e Energia elogia ações
Apesar da gravidade, a situação foi normalizada no mesmo dia, sem que houvesse corte de carga para o Sistema Interligado Nacional (SIN) e prejuízo para o abastecimento de energia. A experiência reafirmou a integração entre diversas áreas da empresa e as equipes de Furnas, com o acompanhamento e coordenação do Ministério de Minas e Energia e do ONS.
“Esse incidente mostrou a resiliência do sistema elétrico brasileiro e paraguaio, particularmente da Itaipu Binacional e de Furnas Centrais Elétricas, que prontamente tomaram todas as providências para que os consumidores de ambos os países não tivessem nenhum problema naquilo que diz respeito a sua segurança energética”, disse o ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, em passagem por Foz do Iguaçu para a reunião do Conselho de Administração da binacional.
No último dia 27, com um dia de antecedência, Furnas restabeleceu a primeira das duas linhas de transmissão de 750kV que ainda estava fora de operação por causa do temporal. O outro circuito retornou na sexta-feira (29), também antes do previsto.
“Isso é mais uma demonstração de que as medidas que estão sendo adotadas pelo ONS, pela Agência Nacional de Energia Elétrica, pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, e todos os agentes vinculados, como Furnas e a própria Itaipu Binacional, têm sido fundamentais para que o Brasil passe por esse período difícil e que nós possamos entrar em melhores condições em 2022”, disse o ministro, ao mencionar a atual crise hidrológica enfrentada pelo País, uma das maiores da história.
O diretor-geral brasileiro de Itaipu, general João Francisco Ferreira, também destacou a integração entre os diversos atores responsáveis pelo sistema elétrico para que situações extremas, como a do dia 23, tenham pronta resposta. “O setor segue atuando para evitar a falta de energia para o consumidor e, quando isso se torna inevitável, restabelecê-la no menor tempo possível. Nesse caso, felizmente, sem qualquer impacto ao consumidor”, diz.
“Foi realmente um trabalho integrado entre nossas equipes do setor elétrico”, reforça o diretor técnico executivo da binacional, Celso Torino. “A começar pelos cuidados prévios das instituições do setor e do ONS aplicando critérios de segurança adequados para momentos de tempestades. A seguir, na fase que chamamos de Tempo Real, as ações coordenadas e de pronta resposta entre ONS, Furnas, Itaipu Binacional e Ande (estatal paraguaia). Ao final, os esforços exemplares das equipes de Furnas em colocar essas torres e linhas em operação no menor tempo possível”, relaciona.