Sobre o Futuro

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Daniel Medeiros*

 

Leio em algum lugar que o futuro depende de nós. Rio da pretensão da mensagem. Ou da sua ingenuidade. No século XVI, Maquiavel já lembrava o quanto a Fortuna tem de responsabilidade sobre nosso destino e que não há o que fazer em relação a isso. Agora multiplique o campo de ação do Acaso por muitas vezes muitas vezes e teremos o quadro atual. E, diante de nós, o imponderável amanhã. É fato que o próprio Maquiavel lembrava que temos algum controle sobre, pelo menos, 50% das nossas ações. E depois dizem que o pensador florentino não era otimista. Mas que vá. De cada duas coisas que pensamos poder fazer, uma delas é possível com nossos esforços. Lembrando que “possível” não é garantia de nada, somente traça uma linha de chegada na areia. Se não chover ou se as calotas polares não derreterem ou se a osteoporose não for muito agressiva, um dia poderemos ultrapassá-la. Mas há a outra metade das coisas que desejamos e que, bom, ficarão no campo das quimeras. Ou das frustrações inúteis. 

De qualquer forma, se conseguirmos fazer apenas uma coisa memorável na vida, já não terá valido a jornada? Esses dias falava com um amigo músico sobre a fase exuberante de Belchior nos anos 70. E, juntos, concordávamos: “mas depois disso, não fez mais nada que prestasse!”. E logo emendamos: “e também o Zé Ramalho!”. “Ora, mesmo o Chico, o que tem feito nesses últimos 20 anos?” – dissemos isso e sorrimos satisfeitos sabe-se lá com o quê.

Ulisses lutou dez anos em Tróia, mais dez pra voltar pra casa e encontrar sua Penélope. Do que ele teve mais orgulho de fazer? No leito de morte, do que lembrava com mais carinho? Talvez de algo que não sabemos, talvez de um gesto que não ficou registrado. Talvez de um sonho não realizado ou de um “não” dito no lugar de um “sim”, ou vice versa.

Guardo muitas vergonhas de pequenos atos que pratiquei e que tiveram grandes consequências. Sempre sonho com a chance de voltar no tempo e alterar esses pequenos atos. Creio que, se somar no tempo, tenho uns oito ou dez minutos de vida que não gostaria de ter vivido ou de ter vivido de maneira diferente, do jeito que vejo hoje o mundo e creio que é o melhor jeito. Mas no passado não pensei que teria esse futuro de arrependimento e vergonha. Naquele presente, aquele eu que eu era, não pensava em perspectiva, não pesava as consequências, pois possivelmente acreditava que o futuro não lhe pesaria. As circunstância fazem o homem. Mudam as circunstâncias, ficam apenas as memórias doces ou amargas. Essa é a vida, senhores!

Volto à reflexão inicial da minha leitura fortuita: o futuro depende de nós. Mas como isso é possível, se esse “nós” é um mutante cujo código genético nunca conseguimos decifrar a tempo? Se o agora é fruto do acaso e dos hormônios, a história que narraremos em dez, vinte anos, o que poderá dizer desse “nós” que conta ou sobre quem se conta? A História é mestre da vida, lembrava Maquiavel. Não que ele acreditasse que o passado se repetisse ou coisa que o valha. Maquiavel era inteligente, lembram? Sua convicção se voltava para os atos fundadores das coisas novas. Sempre é possível inaugurar um novo tempo na nossa vida, rompendo com a cadeia de lembranças e amarguras. É isso que o passado nos ensina: como romper com ele e deixar que o acaso e nossos esforços trilhem outros caminhos sem a necessidade de carregarmos junto os sacos de ossos de nossos arrependimentos. Quanto ao futuro, bom, quando ele se tornar um presente para nós, que saibamos usufruir da dádiva de possuí-lo.

 

* Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.
danielmedeiros.articulista@gmail.com
@profdanielmedeiros

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