A advogada Marissol Filla, especialista em direito do trabalho, esclarece quais são os direitos e deveres de empresas e colaboradores previstos na CLT em relação à saúde

A vacinação contra a Covid-19 é tema de diversos tipos de discussão em todo o mundo. Uma delas é sobre o passaporte da vacina para ser admitido ou mantido no quadro de funcionários de uma empresa. Em recente decisão, uma das gigantes marcas mundiais Nike anunciou a demissão de todos os funcionários atuantes em território norte-americano da empresa e que não se vacinaram contra o coronavírus.

Desde o dia 15 de janeiro deste ano, têm sido mantidos somente os vacinados ou os não vacinados respaldados por algum tipo de isenção médica ou religiosa. A decisão, por enquanto, não afeta colaboradores da Nike em outros países. O caso emblemático deve abrir precedentes para outras empresas em todo o mundo, avalia a advogada especialista em direito do trabalho Marissol Filla, sócia-fundadora da Filla e Munhoz da Rocha Advogados Associados.
“É super emblemático. O caso é nos Estados Unidos, mas aqui no Brasil a tendência é que muitas empresas sigam por esse caminho”, afirma a profissional. Pelas leis brasileiras, a vacinação não é compulsória, ou seja, o Estado não pode obrigar as pessoas adultas a se vacinarem.

No entanto, a discussão em torno da exigência sobre o passaporte da vacina ganha outro corpo quando o tema esbarra nas regras que estipulam os direitos e deveres de empregado e empregador, previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

O assunto esquentou no Brasil a partir do final de 2021, quando o Ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, editou a portaria 620/2021, na qual empregadores não poderiam exigir o comprovante de vacinação nem em processos seletivos, nem de colaboradores ativos, com a justificativa de que se trataria de uma forma de discriminação.

No mesmo mês, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu os efeitos desta Medida Provisória, ao afirmar que o empregador pode exigir comprovante de vacinação para manter ou contratar um funcionário, alegando dois fatores preponderantes: o bem coletivo, que se sobrepõe ao interesse individual.

Segundo a advogada Marissol, a decisão do STF antecipou o que se entende como uma medida que deve prevalecer dentro das organizações, conforme norma prevista no artigo 158 da CLT. “O empregador tem o dever de fornecer aos empregados e colaboradores um ambiente de trabalho equilibrado e assegurar o cumprimento de normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, reduzindo os riscos inerentes ao trabalho e assegurando o direito fundamental à saúde”, afirma.


E destaca: “A partir do momento em que o país vive uma pandemia, que existe embasamento científico por trás, existe um Plano Nacional de Vacinação, então é dever do empregador proteger a coletividade, em detrimento da vontade, do entendimento filosófico ou ideológico. Então, ele pode exigir.”


Da mesma maneira, lembra Marissol, que ao empregador recai o dever de respeitar e propiciar as medidas de isolamento quando determinadas, fornecer equipamentos de proteção à Covid-19 (álcool em gel e máscaras) e garantir o distanciamento necessário mesmo no trabalho presencial.

Além disso, há o poder diretivo do empregador, conforme o artigo 2º da CLT, que trata da qualidade de organizar, regulamentar, fiscalizar e disciplinar o trabalho do empregado. Não existe, dentro de uma empresa, uma lei que a proíba de exigir um comprovante de vacinação. Neste caso, o funcionário que não cumpre uma ordem do patrão – que não é ilegal e está dentro do poder diretivo – comete um ato de indisciplina, de insubordinação, e fica passível de sofrer penalidades.

“Dependendo do caso concreto, é passível desde uma advertência até uma demissão por justa causa, que é a penalidade mais severa que existe na CLT para um empregado. É verdade que não existe uma lei que obrigue o cidadão adulto a tomar vacina, mas existe o direito à saúde, entre outros direitos e deveres de patrões e empregados”, diz Marissol.

Exceções à regra

A advogada lembra que há as exceções, o caso daquelas pessoas que têm uma justificativa médica para não tomar a vacina, como uma doença autoimune, na qual a vacina pode ser tornar um risco. Diante de uma exceção como esta, resta à empresa encontrar uma alternativa para garantir o bem coletivo.

“Se a vacina puder agravar uma condição médica, nesse caso não precisaria comprovar a vacina. E esse colaborador não poderia ser demitido por isso. Então, ele teria que trabalhar na modalidade remota ou ser submetido a testes regulares de PCR para poder circular pelos ambientes da empresa sem colocar os colegas em risco. Independente da solução, a empresa precisa manter a coletividade em segurança.”

Decisões recentes no Brasil
O próprio STF editou recentemente uma resolução exigindo dos seus colaboradores a apresentação de comprovante de vacina. Conforme a decisão do ministro Barroso:
“Não há comparação possível entre a exigência de vacinação contra a COVID-19 e a discriminação por sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade ou gravidez (…) esses últimos fatores não interferem sobre o direito à saúde ou à vida dos demais empregados da companhia ou de terceiros. A falta de vacinação interfere”
Medida semelhante tomou o Tribunal Superior do Trabalho (TST), confirmada no início de janeiro de 2022 pela ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente da Corte.

“O tema ainda é bastante polêmico, contudo, são exemplos que mostram que já se forma uma corrente majoritária, no sentido de que é uma exigência legítima e razoável do empregador, pelo direito coletivo à saúde”, pontua a advogada.