Uma reportagem publicada na manhã desta quarta-feira (16) pelo jornal Folha de S.Paulo revelou que o Conselho de Ministros da Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos) acolheu um recurso apresentado pela farmacêutica Novartis e reajustou o valor máximo do medicamento Zolgensma – usado para o tratamento da atrofia muscular espinhal (AME) – de R$ 2,9 milhões para R$ 6,5 milhões. O Zolgensma é considerado o remédio mais caro do mundo e, desde sua aprovação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 2020, tem suscitado debates sobre a falta de transparência na composição dos preços dos remédios.
Por decisão da própria Novartis, o medicamento ainda não está disponível para a compra no Brasil, tampouco é oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Isso tem obrigado as famílias de pacientes a recorrerem à Justiça para obrigar o Estado a arcar com os custos de compra e importação. No mercado internacional, o valor do mesmo medicamento é de cerca de R$ 12 milhões.
A reportagem da Folha de S.Paulo também revelou que, para o cálculo do novo valor do Zolgensma, a Cmed levou em conta os custos de tratamento da atrofia muscular espinhal com um medicamento concorrente, o Spinraza, pelo período de 5,2 anos. Nas regras atuais para definição de preços-teto da Cmed não existe nenhuma diretriz que permita comparar a nova tecnologia com o valor hipotético que os pacientes estão dispostos a pagar pela cura de uma doença, ou com outros tratamentos e terapias já disponíveis no mercado.
Desde 2020 o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) vem alertando a sociedade e as autoridades para a falta de transparência no processo de precificação de medicamentos e demandando melhorias na regulação desse mercado. Para Ana Carolina Navarrete, coordenadora do Programa de Saúde do Instituto, o debate sobre o Zolgensma mostra que “os preços dos remédios são arbitrariamente estabelecidos e impostos sobre os pacientes e os sistemas de saúde”.
“Não há transparência na indústria sobre os custos para o desenvolvimento das tecnologias, sua produção e distribuição. Portanto, é impossível saber se o preço de um produto realmente reflete os investimentos feitos pelas empresas. Essas informações têm sido sistematicamente ocultadas da sociedade e também das autoridades regulatórias. O que sobra é uma discussão cruel e injusta, pautada pelo valor que as pessoas e o Estado estão dispostos a pagar para salvar vidas. A cura não tem preço”, afirma Navarrete.
Para a advogada, a Cmed precisa ser fortalecida e ter à disposição ferramentas regulatórias que permitam aferir de maneira mais justa e precisa o valor dos novos produtos que chegam ao mercado brasileiro. “As regras atuais para o cálculo dos preços-teto devem ser atualizadas e aperfeiçoadas, e a boa notícia é que já há um projeto de lei tramitando no Senado nesse sentido. Além disso, essa proposta amplia os requisitos de transparência que recaem sobre a indústria, o que sem dúvidas marcará um ponto de inflexão no debate”, completa.
Navarrete se refere ao PL 5591/20, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), que ainda não tem data prevista de votação. Nos próximos dias, o Idec apresentará um pedido baseado na Lei de Acesso à Informação para acessar o conteúdo do processo de avaliação do preço-teto do Zolgensma pela Cmed.