sábado, 22 fevereiro 2025
26.4 C
Curitiba

Busca

Daniel Medeiros*

 

Eu não procuro, acho (Pablo Picasso)

Nunca quis a felicidade como um fim planejado, entretanto, ocorreu-me em muitos dias uma alegria de especial candura e sem razão concreta. Nunca busquei o amor como um prêmio cobiçado, mas, várias vezes, meus olhos empurraram minha cabeça para direções propícias nas quais se encontravam outros olhos que me impregnaram, encheram-me a ponto de não conseguir dar mais um passo que não fosse na direção desse olhar onírico que depois ganhou o nome – por algum tempo, por muito tempo – de “meu amor”. 

Jamais me dispus a sentir raiva a priori, e, quando quis, fracassei, embora ainda me assuste com as explosões vulcânicas de meu espírito – que contenho com muito custo, deixando escapar, envergonhado, lava e fumaça – sem que eu consiga precisar o tremor sísmico que a tenha antecedido.

O que me atravessa o corpo, às vezes, já de manhãzinha,  quando estranho aquele rosto, vincado no espelho que sei ser o meu, mas, com o qual não me acostumo, não tem propriamente um nome, ou melhor, não encontro uma palavra definitiva para ele e, por isso, chamo a sensação que me acomete de “calafrio” e o seu efeito – o vazio na boca do estômago – de “angústia”. Se no resto do dia esqueço é porque me distraio, mirando os objetos que se apresentam ao meu desejo e tentando me transformar neles: trabalho, consumo, lazer. Até que, em um ponto qualquer da cidade, em uma hora qualquer do dia, dou-me de cara outra vez com o personagem que costuma se chamar de “eu”.

Nunca quis ser uma pessoa realizada, e essa é, para mim, a palavra mais esquisita de todas. Jamais consegui capturar seu sentido, nem mesmo pelas bordas. O que me tornaria real e definitivo? Talvez isso aconteça somente quando eu for um corpo inerte, passado. Mas mesmo aí, outro movimento ocorrerá, o do meu desaparecimento, sem meu álibi ou consentimento. Enquanto escrevo essas palavras, sei que me esgueiro e sou e estou em vários lugares além daqui, e o que digo é um registro de um outro tempo, longínquo, ou algo que só fará algum sentido muito além desse texto, quando uma pessoa qualquer ler (terei eu esse leitor atento?) e sentir o meu calafrio em seu próprio corpo. O meu não, o dela própria. Ou o nosso, pois talvez o calafrio não tenha dono nem preferência de morada.

Sócrates, o filósofo grego, sofreu por saber demais que sabia de menos. Entendia que não querer saber era o mesmo que estar morto. No entanto, não há um espaço próprio em que o saber se localiza, apenas um corpo que se prepara em atenção e sensibilidade para reconhecê-lo a qualquer momento e em qualquer lugar, para desfrutá-lo nos segundos do encontro que é como um nó, começo e fim no mesmo instante. Viver, parece-me, é estar pronto para esse acaso, evitando o risco sempre presente de não reconhecê-lo quando ele dobra uma esquina ou esbarra em seu ombro em meio à multidão indiferente. É isso o que eu acho. Eu acho.

*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso Positivo.
daniemedeiros.articulista@gmail.com
@profdanielmedeiros

**Artigos de opinião assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do Curso Positivo.

Destaque da Semana

Academia do Coração do Hospital Costantini ultrapassa 350 mil atendimentos

Estima-se que os praticantes da academia caminharam juntos, nos...

Problemas de visão atingem 19% dos brasileiros em idade escolar

Pesquisa nacional revela que, apesar de sofrerem com condições...

Com impacto emocional, alopecia areata ganha novas opções de tratamento

Sociedade Brasileira de Dermatologia divulgou recomendações atualizadas para aprimorar...

A elegância do campo britânico: tendência de decoração para 2025

Inspirado na aristocracia britânica, estilo valoriza o maximalismo, combinando...

Artigos Relacionados

Destaque do Editor

Popular Categories

Mais artigos do autor