Especialistas explicam sobre a dificuldade de distinguir imaginação e mentira e como lidar com o tema na primeira infância
Uma criança pequena mente ou apenas imagina? Como estabelecer a diferença entre essas duas coisas? Não à toa o hábito da mentira é considerado um grande desafio para pais, mães e educadores, pois não é tão simples identificar uma mentira intencional.
“A imaginação é um dos instrumentos mais poderosos da infância e do aprender, por isso é preciso ter muito cuidado nesse processo, pois na intenção de impedir a mentira o adulto pode acabar tolhendo a experimentação e a criatividade da criança”, explica Dayse Campos, diretora da Escola Interpares, de Curitiba/PR.
Por outro lado, segundo ela, é possível perceber sinais da mentira. “A partir de uma determinada fase da vida, as crianças já são capazes de entender que a mentira também pode ser poderosa e útil. E um adulto atento verá que ela está usando esse artifício como atalho para escapar de conflitos ou obter ganhos”, completa.
A mentira se torna mais intencional por volta dos sete anos de idade, fase em que a criança já carrega valores adquiridos no meio social e familiar. É nessa idade que a atenção do adulto precisa ser redobrada, mas sempre com acolhimento.
“A mentira é um fenômeno que envolve relações, está sempre endereçada ao outro. Neste sentido, ao invés de simplesmente censurar ou corrigir, mais vale nos perguntarmos o que leva a criança a fazer uso deste artifício”, diz a psicóloga Verônica Salvalaggio, do Plunes Centro Médico, também de Curitiba.
Ela explica que é preciso reconhecer que a narrativa mentirosa é um recurso que permite colocar em palavras aqueles enigmas e debates que acontecem intimamente. “A mentira, e também a fantasia, cumprem uma função reveladora destes conflitos e embates internos. Por isso a mentira merece ser acolhida, em lugar de ser repreendida”, afirma.
Verônica concorda que, do ponto de vista cognitivo, na primeira infância é muito difícil distinguir entre mentira e fantasia. “Ambas são produções de natureza subjetiva, que envolvem relações imaginárias, tanto quanto simbólicas, pois é no campo da palavra e da linguagem que elas são construídas e se expressam”, explica.
Segundo ela, crianças pequenas, até os seis anos de idade, ainda estão construindo conceitos. “Se até mesmo os adultos por vezes têm dificuldade de conceituar verdade, mentira e fantasia, como exigir isso daqueles que estão dando seus primeiros passos na vida?”.
Na Escola Interpares, a condição fundamental para lidar com a mentira nessa fase da infância é proporcionar um ambiente seguro para a criança, com liberdade para expressão, interesses e pensamentos, sem julgamentos – mas com observação atenta.
O ambiente acolhedor da escola exerce um papel libertador tanto para a criança quanto para os educadores. “Notamos que muitas vezes uma criança que aparenta estar mentindo – e às vezes realmente está – quer apenas ser ouvida. Dê voz a ela e você receberá todas as informações verdadeiras que precisa para lidar com a situação”.
Para a diretora da escola, que é sócio-interacionista, quanto mais diversidade de experiências a criança encontrar em suas interações sociais, mais segurança e autonomia terá para se desenvolver socialmente sem precisar mentir. “Na Interpares buscamos sempre observar o contexto em que a eventual mentira acontece e também atuar em parceria com a família.”
De onde vem o Dia da Mentira
Também conhecido como Dia dos Bobos, o 1º de abril “brinca” de celebrar a mentira, brincadeira que surgiu na França do século 16 por conta das comemorações de Ano Novo, que iam de janeiro a abril.
Quando o calendário foi ajustado para o dia 1º de janeiro, algumas pessoas que insistiam em celebrar na data antiga e foram considerados bobos, por acreditar em algo tido como uma mentira. E dessa forma, como uma brincadeira, a data foi introduzida no calendário brasileiro.