Grupo reúne pessoas que encontraram no esporte um recomeço depois de receber novo fígado, rim, pulmão, pâncreas, coração e medula
“Vi no esporte uma maneira de divulgar a doação de órgãos e desmistificar a ideia de que transplantado é alguém com muitas restrições e que não pode se exercitar”. Essa frase se tornou um mantra para o professor de educação física Ramon Lima. Depois de ser diagnosticado com insuficiência renal crônica há 10 anos, ele passou pela diálise peritoneal, ficou cerca de um ano na fila por um transplante, e em janeiro de 2020 recebeu a ligação de que um rim compatível o esperava. Iniciava ali um novo capítulo da sua vida.
Hoje, aos 40 anos, quem vê Ramon praticando corridas de rua não imagina o que o professor já passou até levar uma vida normal. “Foi preciso superar limites e medos. Apenas depois de conhecer atletas transplantados percebi que poderia percorrer o caminho do esporte, que já fazia parte de mim”, revela. E o contato com eventos esportivos para pessoas que haviam recebido um novo órgão contribuiu para que um sonho ganhasse forma e se tornasse realidade. No início de 2022, Ramon organizou em conjunto com outros transplantados a 1.ª Liga Nacional de Transplantados, formada por um grupo de atletas brasileiros transplantados de fígado, rins, pulmão, pâncreas, coração e medula.
O que a medicina e as pesquisas dizem
“Os transplantados que se exercitam internam menos, voltam mais rápido ao trabalho e à vida social, refletindo em mais qualidade de vida”, explica Alexandre Tortoza Bignelli, nefrologista e coordenador do Serviço de Transplante Renal do Hospital Universitário Cajuru, 100% SUS, em Curitiba (PR). Pesquisas mostram que atividades físicas podem funcionar como remédio. Em um estudo da Universidade Nacional Yang-Ming, em Taiwan, cientistas coletaram dados sobre a saúde e a frequência de práticas aeróbicas de 4,5 mil pacientes com perda das funções dos rins. Ao cruzar as informações, notou-se que a prática de exercícios fez diminuir 17% o risco de evoluir para fases mais graves da doença.
Nas últimas duas décadas, o Brasil viu o número de pessoas com doença renal crônica triplicar. Hoje, estima-se que 13 milhões sejam portadoras da doença e mais de 140 mil cidadãos façam diálise no país. As estatísticas brasileiras não destoam do resto do mundo. Calcula-se que 850 milhões de pessoas em todo o planeta são acometidas de algum comprometimento renal. “O grande desafio da doença renal é que, em sua fase inicial, ela é assintomática. Para reverter esses desfechos, a saída é trabalhar pela conscientização sobre os fatores de risco que levam ao colapso dos rins, caso de diabetes, hipertensão, obesidade e tabagismo”, explica o nefrologista.
Da fila de transplante aos jogos mundiais
Doar órgãos é um gesto de amor, solidariedade e cidadania. Também, é a única chance de recomeço para quem aguarda na fila de espera. Por isso, desde o transplante renal, Ramon corre por uma causa: a conscientização pela doação de órgãos. “Recebi uma nova chance de viver e quero que outros sintam essa mesma alegria”, relata o paciente emocionado. “Acredito que seja preciso o entendimento da população sobre a importância de se declarar doador de órgãos. Esse gesto pode salvar vidas de pacientes como o Ramon, que ressignificou a vida após receber um novo rim”, reforça o médico Alexandre Bignelli.
Para superar mais uma vez os próprios limites, Ramon e a Liga Nacional de Transplantados se preparam para representar o Brasil no World Transplant Games, que está previsto para abril de 2023, na Austrália. Considerado o maior evento esportivo do mundo para transplantados, as olimpíadas oferecem às pessoas que receberam transplantes de órgãos uma oportunidade especial para se reunir e competir. “Mais do que mostrar que as atividades físicas contribuem para a saúde, o objetivo é chamar a atenção para a importância da doação”, explica o transplantado renal.
A prática de exercícios fez o atleta redescobrir sua paixão pelo esporte e despertar para o desejo de colecionar ainda mais medalhas. Uma lenda que o atleta pretende quebrar com a participação nos jogos é em relação a restrições esportivas para transplantados. “Sempre pratiquei esportes. Mas, a partir da descoberta dos jogos voltados ao público que recebeu um órgão, senti vontade de competir e mostrar que os transplantados têm condições físicas de disputar eventos esportivos. Hoje não vejo meu dia a dia sem atividade física, e sem pensar em como melhorar a divulgação da doação de órgãos”, finaliza Ramon.