Claudia Ribeiro tem esquizofrenia leve, é graduada em Tecnologia da Informação (TI) e pós-graduada em Gestão Administrativa. Cuida dos pais idosos, adora ler, assistir a séries e constantemente realiza cursos online. Com mais de 20 anos de atuação nas áreas administrativa e de TI e Marketing Digital, Claudia deseja ser uma profissional de grande sucesso e colaborar com o desenvolvimento da sociedade.
Entretanto, quando se trata da inserção profissional, Claudia enfrenta um cenário muito mais adverso, devido à deficiência psicossocial, em comparação a pessoas sem deficiência. Frequentemente, os recrutadores atribuem a esquizofrenia ao baixo intelecto sendo que, na realidade, a profissional tem facilidade em aprender atividades tecnológicas e tem um bom relacionamento interpessoal.
De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), divulgada pelo Ministério da Economia, 486.756 mil pessoas com deficiência (PcD) estão empregadas formalmente dentro de um total de 46 milhões de pessoas com vínculo empregatício. Isso corresponde a apenas 1% dos registros nesse mercado. Apesar de a estatística não incluir a informalidade, ela retrata uma realidade bastante desfavorável para quem possui alguma deficiência.
Um estudo elaborado pela Ação Social para Igualdade das Diferenças (ASID Brasil) constatou que os principais desafios para a inclusão profissional de pessoas com deficiência são a falta de oportunidades de capacitação e desenvolvimento e a baixa difusão de informações acerca dos tipos de deficiência e suas potencialidades, resultando em desigualdades salariais e de oportunidades.
Para assegurar a equidade no mercado, a Lei de Cotas para pessoas com deficiência ( Lei 8213/91) foi criada há mais de 30 anos. A legislação estabelece que empresas com 100 ou mais funcionários devem destinar de 2% a 5% das vagas para quem possui deficiência. Porém, vários problemas ainda persistem, como a baixa adesão das empresas à lei, a falta de adaptabilidade das empresas (tanto estruturalmente quanto no quesito comportamental), preconceito, desconhecimento sobre deficiência e a ausência de plano de carreira.
“A lei de cotas é fantástica para mitigar um pouco dessa desigualdade entre pessoas com deficiência e pessoas sem deficiência, mas não estabelece nenhum desenvolvimento, apoio público ou capacitação. É uma lei generalista e não ajuda a empresa no desenvolvimento da estratégia de inclusão”, explica Matheus Garcia, diretor comercial da ASID. Ele acrescenta que é frequente uma maior preocupação em seguir a lei do que tornar o ambiente inclusivo.
Dados de uma pesquisa sobre pessoas com deficiência conduzida pela Infojobs, empresa de tecnologia para recrutamento, mostram que 78% dos profissionais foram desacreditados por seus líderes e recrutadores, assim como Claudia. Muitos líderes também não sabem lidar com pessoas com deficiência e a adaptação necessária para a contratação faz as empresas desistirem de promover a diversidade ou limitarem as vagas para apenas alguns tipos de deficiência.
Emprego apoiado ultrapassa visão assistencialista
O Emprego Apoiado foi criado há mais de 30 anos para que as corporações façam a inclusão de maneira consciente, A metodologia é usada em diversos países como Espanha, Canadá, Portugal e Estados Unidos e chegou ao Brasil recentemente. A modalidade considera que toda pessoa com deficiência é capaz de entrar no mercado de trabalho desde que exista acessibilidade e o apoio necessário. Isso significa que a deficiência é incluída sem barreiras e estigmas.
Cada pessoa recebe um acompanhamento personalizado para o reconhecimento de suas habilidades e aptidões. A metodologia ajuda a desenvolver o lado profissional da PcD, preocupando-se também com o plano de carreira, o gerenciamento de desafios e o alcance de posições de trabalho adequadas para a conquista da autonomia.
Este processo visa promover impactos reais na vida das pessoas e é dividido em três etapas: perfil vocacional, desenvolvimento do emprego e acompanhamento pós-colocação. No momento inicial, é preciso encontrar os pontos fortes, objetivos e as demandas do candidato. Nesta etapa, são conduzidas entrevistas com PcDs e seus familiares para que também sejam avaliados o ambiente em que eles vivem e suas rotinas.
Após a elaboração do perfil vocacional, inicia-se a busca por uma vaga no mercado de trabalho que se encaixe com a pessoa com deficiência. Uma análise verifica todos os aspectos culturais da vaga e da empresa, sua adequação ao apoio do qual o candidato precisa e a acessibilidade. Com a contratação, deve-se dar prosseguimento à inclusão, que ocorre com todos os membros das corporações. Vivências e workshops para que as pessoas conheçam as deficiências e suas particularidades sensibilizam os colaboradores, auxiliando-os a desenvolver empatia pela pessoa com deficiência.
Quando a empresa e o colaborador estão prontos para o emprego apoiado, ocorre o acompanhamento contínuo para garantir a manutenção da inclusão e o desenvolvimento de quem possui deficiência. Isso é feito por um consultor, normalmente formado em áreas do desenvolvimento humano, como psicologia e psicopedagogia.
O Instituto Jô Clemente (IJC) começou a trabalhar com o emprego apoiado em 2013. Antes de adotar a metodologia, o Instituto realizava oficinas sobre o tema do mercado de trabalho e a deficiência. De acordo com Victor Martinez, supervisor do Serviço de Inclusão Profissional e Longevidade do IJC, uma das queixas mais comuns das empresas é o baixo índice de retenção dos PcDs, ou seja, o tempo que eles permanecem na vaga. O diferencial do emprego apoiado reside na atenção a todas as etapas envolvidas no processo de contratação e pós-contratação.
“É comum as pessoas acreditarem que a inclusão acaba até a preparação, mas é preciso um acompanhamento após a colocação. Ele é feito por um consultor que faz visitas periódicas a cada 30 dias, em média, num período de normalmente 12 meses para que o ambiente de trabalho e o PcD recebam apoio”, enfatiza.
O método vai além de uma visão meramente assistencialista, promovendo uma cultura organizacional pautada na inclusão e na diversidade. O trabalho do IJC relacionado a emprego apoiado é focado em autistas e em deficientes intelectuais. “Não é comum que pessoas com deficiência intelectual sejam escutadas, é frequente que o outro faça por elas ao invés de fazer com elas. A condição da deficiência não é impeditiva para que as pessoas não conversem com elas, escutem seus desejos e desenvolvam os apoios necessários para sua inclusão”, complementa Martinez.
O supervisor do IJC expressa preocupação com os ataques à Lei de Cotas para PcDs, mas reconhece que a ampliação do debate sobre o tema da diversidade é promissora para um possível aumento de políticas públicas para PcDs. “O discurso é muito bom, mas precisa ser acompanhado de políticas públicas para gerar impacto”, conclui.
Sobre a ASID Brasil
A ASID é uma organização social voltada à construção de uma sociedade inclusiva por meio de projetos de responsabilidade social, como voluntariado, inclusão no mercado de trabalho e desenvolvimento de gestão de organizações parceiras. Com mais de dez anos de atividades, tem mais de 100 mil pessoas impactadas e mais de 7 mil voluntários. A ASID também possui reconhecimento a partir de prêmios nacionais e internacionais, como o Melhores ONGs Época e o United People Global. Mais informações em https://asidbrasil.org.br/
Sobre o Instituto Jô Clemente
O Instituto Jô Clemente é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que previne e promove a saúde das pessoas com deficiência intelectual, apoia sua inclusão social, defende seus direitos, produz e dissemina conhecimento sobre o tema. O instituto atua desde o nascimento ao processo de envelhecimento, propiciando o desenvolvimento de habilidades e potencialidades que favoreçam a escolaridade e o emprego apoiado, além de oferecer assessoria jurídica às famílias acerca dos direitos das pessoas com deficiência intelectual. Mais informações em https://ijc.org.br/