Pacientes de hospitais públicos e privados realizam procedimento que estimula cérebro e recupera coordenação motora, mesmo após 15 anos do dispositivo implantado
Tremores involuntários, rigidez muscular e lentidão nos movimentos fazem parte do dia a dia de pessoas diagnosticadas com o Mal de Parkinson. Mas a medicina já tem uma solução para controlar os sintomas motores dessa doença: implantes de pequenos eletrodos em estruturas específicas do cérebro. Um procedimento minimamente invasivo e com o paciente acordado que pode surtir efeitos de curto e longo prazo, mesmo após 15 anos do dispositivo implantado. É o que mostrou um estudo publicado pela revista Neurology, da Academia Americana de Neurologia. E, há mais de duas décadas, pacientes de hospitais de Curitiba (PR) contam com essa opção de tratamento.
Além de conter os tremores, uma pesquisa publicada na revista Frontiers in Neurology indicou que o implante reduz em 51% o uso de medicamentos para controle de dopamina, neurotransmissor que está em escassez na massa cinzenta de quem sofre da doença de Parkinson. Na falta da dopamina, o corpo demora para ouvir ordens para se mover e os comandos são descoordenados. “O melhor resultado é a combinação da cirurgia com a dose exata da medicação. A doença não é curada, mas a soma dos dois fatores eleva a longevidade e traz mais qualidade de vida para os pacientes”, explica o neurocirurgião dos hospitais Marcelino Champagnat e Universitário Cajuru, Alexandre Novicki Francisco.
Recomeços
Mais de vinte anos se passaram desde que o padre Valnei Pedro Reghelin começou a perceber os primeiros sinais de tremores nas mãos. Ele é um dos 200 mil brasileiros que vivem com Parkinson e está entre os 2% de pacientes que receberam o diagnóstico antes dos 40 anos, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). A descoberta da doença chegou enquanto realizava uma missão pastoral na China e, logo em seguida, o agravamento dos sintomas levou o sacerdote a buscar tratamentos no país de origem. Apenas em março de 2015, Valnei entrava no Hospital Marcelino Champagnat para realizar uma cirurgia que permitiria um novo começo.
“Durante as consultas, os médicos explicavam que a doença poderia me tirar os movimentos das pernas a ponto de depender de uma cadeira de rodas. Por isso, não exitei em realizar o procedimento o mais rápido possível e, hoje, afirmo que essa cirurgia trouxe uma mudança muito grande na minha vida”, conta o paciente, emocionado. “É inesquecível o momento exato em que o eletrodo começa a funcionar. Ainda na sala de cirurgia, o médico testa o nível de energia e, no mesmo instante, tudo fica calmo, porque os tremores simplesmente param”.
Após doze meses do eletrodo implantado no cérebro, o padre Valnei já embarcava de volta para a China. Hoje, com 57 anos, ele leva uma vida muito próxima do normal, com acompanhamento de outros especialistas e livre de fármacos, buscando conscientizar sobre a importância do tratamento precoce do Parkinson. “O que quero deixar para o mundo é que não podemos desistir nem deixar que essa doença nos defina. Eu não sou o Parkinson, apenas tenho e convivo com a doença”, reflete o padre.
Marca-passo da esperança
Mesmo diante de sintomas complicados do Parkinson, o tratamento é possível. E a esperança está na Estimulação Cerebral Profunda (ECP), também conhecida como marca-passo cerebral. O funcionamento das estruturas cerebrais é normalizado a partir de uma corrente elétrica que passa por diversas regiões do cérebro e por anos sem interrupção. Essa terapia tem evoluído desde os anos 1980, quando começou a ser utilizada para tratar a doença, e é indicada para pacientes que estão na fase intermediária. “A partir do quinto ano de diagnóstico, o paciente começa a não responder corretamente aos medicamentos e precisa aumentar as doses, e é nesse momento que é indicada a cirurgia”, explica o neurocirurgião.
Realizada pelos hospitais Marcelino Champagnat e Universitário Cajuru, a cirurgia se divide em duas etapas. Na primeira, um ou mais eletrodos, dependendo do caso, são implantados no cérebro, por meio de uma pequena incisão na região frontal do crânio, utilizando-se um arco de precisão submilimétrica. O indivíduo fica acordado durante esse processo para que, uma vez que os eletrodos estejam no lugar, os médicos avaliem a fala, a coordenação motora e os tremores. O dispositivo envia sinais elétricos constantes e pode ser colocado em três núcleos diferentes do cérebro envolvidos com o Parkinson. Na segunda etapa, um gerador de pulsos, chamado neuroestimulador, é inserido na área da clavícula com uma bateria acoplada, que necessita de troca a cada cinco anos, em média
A capacitação das equipes médicas e a estrutura hospitalar tornam realidade cirurgias como a de Valnei. “Para que o procedimento alcance resultados satisfatórios, diferentes especialistas estão envolvidos. Além do neurocirurgião e nossa equipe intermitente, o neurologista desempenha um papel fundamental”, conta Alexandre Novicki. Há mais de duas décadas atuando com pacientes parkinsonianos, o médico explica que o Hospital Universitário Cajuru desponta como pioneiro na realização desse tipo de procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Paraná e a equipe tem sido procurada por unidades hospitalares do interior do estado para treinamento de outros profissionais. “É um trabalho em conjunto, em que o maior objetivo é prestar um serviço de qualidade para a sociedade”, finaliza.