Daniel Medeiros*
Toda crianรงa deveria receber, alรฉm da agenda da escola, uma agenda das suas responsabilidades com o paรญs. E essa agenda deveria acompanhar a vida de todos os cidadรฃos, do Fundamental ร Universidade, ao longo da vida profissional e depois, na aposentadoria. Para nunca esquecermos que o governo รฉ o que dรก a direรงรฃo, mas quem faz as coisas acontecerem somos nรณs mesmos.
Nessa agenda, o compromisso nรบmero um deveria ser com o meio ambiente. Nas escolas, a limpeza, o cuidado com os mรณveis e com o prรฉdio, a destinaรงรฃo de tudo o que se descarta, deveria ser prioritariamente dos alunos e professores. Uma equipe profissional de limpeza deveria ser encarregada apenas do que pudesse implicar algum risco para a saรบde dos membros da comunidade escolar. O compromisso tambรฉm deveria envolver o entorno da escola – calรงadas, รกreas verdes, fontes de รกgua, animais, etc. E ser liรงรฃo de casa para os pais e familiares.
O segundo compromisso, sem dรบvida, deveria ser com as pessoas prรณximas: o respeito, o afeto, a solidariedade, fundamentos de qualquer relaรงรฃo civilizada e civilizatรณria. Direรงรฃo, coordenaรงรฃo, professores, auxiliares, funcionรกrios, alunos e alunas, pais, todos deveriam assumir esse compromisso comum de respeito e consideraรงรฃo, em torno de regras coletivas, democraticamente estabelecidas e periodicamente revisitadas. Da mesma maneira que o primeiro compromisso, essa prรกtica de respeito e consideraรงรฃo deveria ser estendida ร rua da casa e ao bairro onde se mora. Assim, a escola cumpriria um de seus papรฉis mais importantes: disseminar formas democrรกticas de convivรชncia.
O terceiro compromisso deveria ser o respeito com a diferenรงa. Talvez um dos maiores desafios da agenda, pois visa conciliar a liberdade individual, que รฉ definida pela imaginaรงรฃo, com as exigรชncias coletivas, que sรฃo definidas pelas demandas materiais. Por exemplo: diante de uma pandemia, nรฃo cabe discutir se eu โquero” ou nรฃo usar mรกscara ou tomar vacina. Se hรก um risco de incรชndio ou desabamento, nรฃo faz sentido perguntar se eu desejo ou nรฃo permanecer no prรฉdio. Daรญ o trabalho รกrduo e permanente de equilibrar o desejo e o exercรญcio da liberdade com as necessidades e os limites impostos pela realidade. Aqui, trata-se de uma espรฉcie de vasos comunicantes: quando a exigรชncia pode ser menor, a liberdade pode ser maior, e vice-versa. Se falta รกgua, racionamento. Se hรก รกgua em abundรขncia, banho de banheira. Nรฃo existe um direito a banho de banheira assegurado plenamente, mas balizado pelo Bem Comum. Essa, aliรกs, รฉ a expressรฃo chave de toda a agenda. A agenda existe para isso. Nossa formaรงรฃo deveria ser pautada por isso, o tempo todo.
ร evidente que pensar dessa maneira causa um certo incรดmodo, nรฃo somente para quem tem muito, como para quem sonha em ter muito. Se eu sou rico, como eu nรฃo posso ter tudo o que eu quiser? Quem vai me impedir? Muitas teorias fizeram sucesso em torno desse conceito do egoรญsmo virtuoso, mas curiosamente, nunca garantiram a estabilidade prometida, muito menos a garantia mรญnima de uma vida digna para todos. E esse รฉ o propรณsito de uma Naรงรฃo. Ou entรฃo, que propรณsito poderia haver?
Todo brasileiro deveria ter uma agenda com essas prioridades em cima da mesa. E deveria olhar para esses compromissos frequentemente. Com o tempo, com paciรชncia e, principalmente, com muita resiliรชncia, quem sabe nรฃo conseguimos nos tornar uma Naรงรฃo grande o suficiente para cabermos todos Nela?
*Daniel Medeiros รฉ doutor em Educaรงรฃo Histรณrica e professor no Curso Positivo.
@profdanielmedeiros