Navegando por águas tempestuosas: como as startups brasileiras podem sobreviver e prosperar

(*)Por Susana Garcia-Robles
2023 não tem sido exatamente fácil para as startups brasileiras. No primeiro trimestre de 2023, houve uma queda de 86% no volume total de investimentos em startups brasileiras em comparação com o mesmo período do ano passado. Muitas se viram mais vulneráveis do que a maioria após os efeitos combinados das recentes correções do mercado, preocupações com inflação e escassez relativa de capital. Empresas multimilionárias e bilionárias viram suas avaliações diminuírem, resultando em um número considerável de “perdedores”, ao mesmo tempo que tivemos alguns merecidos “vencedores”.
Tem sido um percurso turbulento com muitas vítimas, lamentavelmente, mas também é uma chance de aprender com aqueles que navegaram pela tempestade e sobreviveram, indo em direção ao que parece ser formado por dias mais calmos e ensolarados. Muitos investidores prudentes conseguiram se manter afastados de rodadas de investimento precipitadas, com excesso de participantes e priorizaram o crescimento sustentável ao invés de crescerem tão rápidos como “foguetes a caminho da lua”. Agora, que a poeira está baixando, eles estão colhendo os frutos de uma bolsa mais saudável. Muito bem!
Devemos lembrar que 2023 pode não ser o ano ruim que parecia ser no primeiro trimestre. Muitos agora estão considerando 2021 como um ano “explosivo”, atípico, e esperam que 2023 seja uma continuação dos negócios, como de costume. Vale ressaltar que em 2021 vimos um recorde de US$ 671 bilhões sendo investidos em mais de 38 mil transações, em comparação com apenas a metade desse valor em 2020. E 2020 não foi de forma alguma um ano ruim, muito pelo contrário!
Em 2023, devemos observar o retorno do crescimento sustentável, que deve estar no cerne de qualquer startup séria, e também ser o principal critério de qualquer investidor sério. Fundadores e investidores podem, agora, trabalhar juntos para focar no crescimento controlado e na lucratividade, mantendo seus olhos nas perspectivas a médio e longo prazo, em vez de investir uma quantia excessiva de dinheiro em uma empresa jovem e a pressionar por uma expansão rápida sem a devida preparação.
Não é só tragédia e tristeza; há luz por trás da tempestade!
As empresas que têm suas avaliações baseadas em indicadores econômicos sólidos e indicadores-chave de desempenho (KPIs) estão conseguindo obter financiamento com sucesso no Brasil. As fintechs focadas em crédito e software de open banking estão indo especialmente bem no momento. Tendo recebido impressionantes US$ 3,7 bilhões, em 2021, em 214 rodadas, as fintechs brasileiras viram o financiamento cair para US$ 1,6 bilhão, em 2022, composto por 168 rodadas. E, até abril de 2023, já foram investidos US$ 47,9 milhões em 14 rodadas.
Empresas que comprovaram sua capacidade de alcançar um crescimento sustentável, mantendo um olhar atento para a saúde financeira de suas operações, que escolheram estratégias de expansão responsáveis em vez de um crescimento imprudente a qualquer custo, estão colhendo grandes resultados agora, porque são elas que estão chamando a atenção dos investidores que priorizam a criação de valor a longo prazo em vez do hype a curto prazo. Esse novo foco é definitivamente uma mudança positiva que beneficia tanto os investidores quanto as startups.
Embora tenhamos falado um pouco sobre certos tipos de fundos, e quanto aos tipos certos de investidores? Bem, em primeiro lugar, eles têm que aparecer! Isso mesmo, há falta de disposição que vem sendo relatada diariamente para liderar rodadas de investimento. Os investidores estão de braços cruzados, sempre esperando que outros se juntem e compartilhem o risco.
No entanto, os investidores devem se lembrar de que, se eles se recusarem a desviar o olhar de sua métrica usual: DPI (distribuição sobre o capital investido), e apenas apostarem nos fundos que já têm um histórico comprovado, eles estarão deixando passar muitos gestores de fundos de primeira e segunda viagem que podem não ter o DPI necessário para mostrar, apesar de terem fundos e investimentos excelentes.
Se essas pessoas não conseguirem atingir suas metas de captação de recursos, então elas não serão capazes de investir nas perspectivas positivas de médio e longo prazo, e todos aqueles anos de crescimento sustentável que estariam à sua frente, e isso significa que algumas startups verdadeiramente inovadoras terão mais dificuldade para atingir esse nível de crescimento sustentável. Eu realmente acredito que os investidores estariam prejudicando a todos ao permitir que isso acontecesse. Esta é uma oportunidade de ouro para continuarmos apoiando a inovação e a visão de futuro que tornam as startups os motores que impulsionam o crescimento e inspiram a todos nós.
Os últimos anos foram marcados por alguns dos maiores desafios que já enfrentamos, e quem sabe o que 2023 e 2024 ainda têm reservado para nós. Mas esse período de reajuste realmente nos proporcionou uma excelente oportunidade para fazer uma avaliação e re-calibrar nossas estratégias de investimento, tanto a curto, médio e longo prazo.                              Acredito que há um desejo renovado entre os investidores ativos de apoiar os fundadores com uma visão clara e um forte compromisso com o crescimento sustentável. Juntos, agora podemos nos concentrar em garantir o sucesso a longo prazo, em vez de nos deixarmos levar pela euforia passageira.
Ao encorajar nossos principais fundadores e investidores a trabalharem juntos e a aprimorarem essa fórmula vencedora de crescimento responsável e inovação ousada, podemos continuar nossa jornada pelo cenário de investimentos em constante evolução e emergir mais fortes do que nunca.
Para dar apenas um exemplo de como o Brasil está liderando em muitas áreas interessantes e de grande crescimento, as startups focadas em foodtech, agrotech e soluções de energia renovável e limpa irão mostrar um forte potencial de investimento nos próximos anos. Não apenas há um novo governo mais uma vez apoiando o impulso global em direção à sustentabilidade ambiental, mas a cúpula COP30 em 2025 será foco de muito investimento internacional em soluções sustentáveis brasileiras.
A recente queda no mercado pode ter causado algumas dores de cabeça para investidores e fundadores, mas acredito que isso tenha sido um choque de realidade muito necessário, e que, com uma dose de cautela e uma renovação da afirmação dos valores que todos compartilhamos nessa indústria tão emocionante, podemos continuar a promover a inovação, visão, ousadia e resiliência que tornam o ecossistema brasileiro de startups de tecnologia tão especial.


(*)Susana Garcia-Robles é sócia sênior na Capria Ventures. Trata-se de uma empresa líder em capital de risco que investe em fundadores de tecnologia com aspirações ilimitadas, conectando-os em uma rede colaborativa exclusiva. A Capria aciona fortes relacionamentos entre centenas de fundadores e as principais empresas de capital de risco nos mais diversos centros tecnológicos – de São Paulo a Lagos, de Bangalore a Jacarta. A empresa traz inovação de ponta em capital de risco combinada com as melhores práticas globais em gestão sustentável de ESG para selecionar e gerenciar seu portfólio de startups que atendem a economias de crescimento mais rápido do mundo. A família de fundos da Capria administra coletivamente ativos superiores a US$ 200 milhões. A Capria tem escritórios em Seattle, Bangalore, Nairóbi e Washington DC.