Cerca de 5,5 milhões de crianças brasileiras não têm o nome do pai na certidão de nascimento, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nas redes sociais, o abandono paterno tem sido comparado ao aborto feminino – autorizado pela legislação brasileira em situações de risco de morte da gestante, estupro e diagnóstico de anencefalia fetal, conforme o artigo 128 do Código Penal – para estimular o diálogo e a reflexão sobre mulheres que criam seus filhos sozinhas.
“Ao denominar de “aborto” a ausência da figura paterna na criação do filho, suscita-se uma resposta emocional mais visceral da sociedade do que ao usar o termo “abandono”. Entretanto, a segunda expressão é a mais adequada para se referir a esse tipo de caso”, descreve Thales Coutinho, docente do curso de Psicologia da Estácio.
O psicólogo observa que o abandono paterno traz sofrimentos emocionais que podem perdurar na vida adulta. “É da natureza do ser humano o desejo de conhecer suas origens, mas obviamente há uma diferença significativa entre desconhecer as características de um pai que faleceu e as de um que está vivo, mas decidiu-se pelo afastamento absoluto do filho. Nesta situação, é comum que a criança abandonada sinta insegurança e revolta, forje um tipo de apego disfuncional, chamado de “evitativo”. O apego evitativo é a maneira com que a pessoa se relaciona com as demais, evitando vínculos sociais saudáveis pelo medo de ser abandonado e depender emocionalmente do outro”, explica.
Na teoria do apego evitativo, criada pelo psicanalista inglês John Bowlby, não necessariamente a criança abandonada repetirá o mesmo comportamento do pai na vida adulta, como descreve Coutinho. “É pouco provável que o indivíduo consiga constituir uma família. Isso porque o (a) próprio (a) parceiro (a) será percebido (a) como uma figura ameaçadora. Contudo, uma vez formado o vínculo afetivo, não há na literatura nada que demonstre essa reprodução do padrão do pai. Isso dependerá de uma série de características individuais e fatores ambientais”, analisa.
O especialista da Estácio enfatiza que o melhor caminho é buscar mecanismos de combate ao abandono afetivo masculino. “O primeiro é conscientizar os pais de que isso traz consequências jurídicas e prejuízos psicológicos para a criança. Também é possível intervir à luz da psicologia. A identificação de pontos de semelhança entre o filho e o pai pode favorecer um vínculo maior e, consequentemente, reduzir o risco de abandono. Quando esse caminho não funciona, os meios legais devem ser acionados”, orienta.