Alysson Diรณgenes*
O vice-presidente Geraldo Alckmin anunciou que o percentual de etanol na gasolina deve aumentar de 27% para 30%, sem indicar quando isso deve ocorrer. Repetindo as palavras do nosso governante, โcaso isso ocorra, o Brasil terรก a gasolina mais limpa do mundoโ, uma vez que โa mudanรงa climรกtica รฉ um fato e o Brasil รฉ o grande protagonista no combate a essas mudanรงasโ. Mas atรฉ que ponto isso รฉ verdade?
Traรงando um histรณrico, a gasolina sempre foi aditivada. Na dรฉcada de 1920, adicionava-se chumbo tetraetila para que ela suportasse as taxas de compressรฃo dos motores ร รฉpoca. Esse aditivo era danoso ao meio ambiente e ร saรบde humana, sendo proibido a partir da dรฉcada de 80, quando percentuais de รกlcool comeรงaram a ser adicionados ร gasolina. Inicialmente, paรญses como os EUA utilizavam metanol e, eventualmente, o etanol era usado como aditivo. Naquela รฉpoca, os percentuais ficavam em torno de 2%. Ao longo dos anos, esses percentuais foram aumentando, e hoje, os EUA e vรกrios paรญses europeus utilizam percentuais de 10% a 15% de etanol na gasolina (inclusive, variando esse percentual como forma de controle de preรงos dos combustรญveis, pois o etanol รฉ mais barato). Mas finalmente. Isso รฉ bom para o meio ambiente? E quanto ao carro?
Comeรงando pela parte mais simples. De acordo com a Associaรงรฃo Nacional dos Fabricantes de Veรญculos Automotores (Anfavea), atualmente, 83% dos veรญculos comercializados no Brasil possuem tecnologia flex. O restante รฉ composto por carros movidos somente a gasolina, a diesel, hรญbridos ou elรฉtricos. Para os carros flex, essa adiรงรฃo nรฃo traz grandes mudanรงas. O mesmo vale para veรญculos a diesel, hรญbridos e elรฉtricos. Por outro lado, carros movidos a gasolina, como os importados e veรญculos mais antigos, podem apresentar problemas menores, como um aumento no consumo ou a necessidade de modificaรงรตes nas configuraรงรตes eletrรดnicas. Atรฉ aqui, nada impede essa alteraรงรฃo percentual. Sem falar que o etanol atual contรฉm vรกrios aditivos para prevenir a corrosรฃo das peรงas do motor. Assim, falta analisar o impacto ao meio ambiente.
O etanol brasileiro รฉ um combustรญvel derivado da cana-de-aรงรบcar. Existem versรตes ร base de milho e beterraba em outros paรญses. O nosso รฉ mais vantajoso, pois nรฃo o consumimos diretamente e a cana-de-aรงรบcar tem uma produรงรฃo muito mais eficiente do que os seus concorrentes no setor de alimentos.
Do ponto de vista ambiental, o etanol รฉ um combustรญvel espetacular. Seu balanรงo de carbono รฉ praticamente neutro, ou seja, o diรณxido de carbono produzido รฉ compensado pelo sequestro de carbono durante a produรงรฃo da cana. Seu rejeito รฉ o bagaรงo de cana, que pode ser aproveitado para gerar energia limpa e renovรกvel em termelรฉtricas. O Brasil tem, nรฃo sรณ รกrea agricultรกvel, como tecnologia necessรกria para a produรงรฃo, refino e distribuiรงรฃo de um combustรญvel nacional, barato, e – de fato – ambientalmente correto. Aumentar o percentual de etanol – de fato – tornaria a gasolina mais โlimpaโ. Portanto, sรณ hรก vantagens no uso do etanol. Ora, entรฃo, por que nรฃo usar logo o etanol em vez da gasolina?
As razรตes podem ser simples e complexas ao mesmo tempo. Os consumidores podem nรฃo ter interesse em comprar etanol porque o preรงo nรฃo compensa. Os produtores, por sua vez, podem nรฃo ter interesse em brigar por preรงos, pois o percentual obrigatรณrio de etanol รฉ uma reserva de mercado imensa e grande fonte de lucro.
Para desatar esse nรณ seria necessรกria uma aรงรฃo de planejamento governamental (nem seria muito difรญcil). Contudo, nรฃo estamos caminhando nessa direรงรฃo. Ao contrรกrio. Como bons brasileiros, estamos caminhando para importar uma tecnologia mais cara e inferior ร nossa, simplesmente por ser mais moderna. Estamos seguindo rumo ร eletrificaรงรฃo da frota de veรญculos leves, conforme os paรญses europeus que nรฃo tรชm capacidade de produzir nosso etanol. Se aumentar o percentual de etanol na gasolina nรฃo รฉ o cenรกrio ideal, desistir dele pelo veรญculo elรฉtrico รฉ o pior dos mundos.
*Alysson Nunes Diรณgenes, engenheiro eletricista, doutor em Engenharia Mecรขnica (UFSC), รฉ professor do Mestrado e Doutorado em Gestรฃo Ambiental da Universidade Positivo (UP).