A meteórica e aeroespacial ascensão indiana

João Alfredo Lopes Nyegray*

 

Enquanto uma boa parte do noticiário econômico global maravilhava-se com as décadas de crescimento contínuo da China, uma outra nação seguia – ao menos em partes – os passos para tornar-se uma superpotência. A Índia, outrora fonte de produtos primários para deleite dos europeus, emerge como forte candidata a ocupar o segundo maior PIB do planeta até 2050. 

Além do crescimento econômico e população acima de 1,4 bilhão de pessoas – a Índia passou a China agora em 2023, e tornou-se a nação mais super habitada do planeta –, há outra semelhança com o vizinho asiático: a história milenar. O que conhecemos hoje por Índia estabeleceu, ainda no período da dinastia Maurya (c. 322-185 a.C.), rotas comerciais com o mundo mediterrâneo, o que aumentou a demanda por suas tão faladas especiarias. Foram esses famosos temperos que motivaram a disputa de portugueses e espanhóis, no final da Idade Média, e de britânicos – já na Idade Moderna – pela preponderância no subcontinente asiático. 

Embora o domínio britânico na Índia tenha se iniciado em meados do século XVIII, foi a chegada da Companhia Britânica das Índias Orientais que cravou seu domínio na região. A Companhia das Índias Orientais obteve o direito de cobrar impostos e governar certas áreas da região por meio de tratados e acordos com governantes locais. Após revoltas no século XIX, houve efetivamente a transferência da administração da Índia, que sai da Companhia das Índias Orientais para a Coroa Britânica. 

Apenas em 1947, os indianos libertam-se das amarras londrinas, e tornam-se uma nação soberana. Ainda que os britânicos tenham investido numa transformação de infraestrutura, modernização educacional e aprimoramento agrícola para a exportação, sua política de “dividir e reinar” exacerbou fragmentações religiosas e étnicas, o que culminou na divisão da nação entre Índia e Paquistão no ano da independência. 

Nas décadas seguintes à independência, a Índia adotou uma política de autossuficiência econômica, enfatizando a produção doméstica e o controle estatal sobre vários setores. Inspirado pelo modelo soviético, o governo indiano lançou o primeiro Plano Quinquenal em 1951, com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico. Desde então, vários planos foram implementados, incluindo reformas econômicas significativas.

Foi na década de 1990, no entanto, que tudo mudou. Em 1991, a Índia enfrentou uma crise cambial e adotou reformas econômicas abrangentes que incluíram a liberalização da economia, a redução de barreiras comerciais e privatização de empresas estatais – coisa que até hoje o Brasil não fez. Como resultado, o crescimento econômico indiano acelerou significativamente para algo entre 7% e 8% ao ano.

Mesmo com os notáveis avanços econômicos das últimas décadas, em meados dos anos 2010, a miséria na Índia atingia praticamente 300 milhões de pessoas – o que equivalia a mais de 22% de miseráveis –, somados a outros quase 500 milhões vivendo na pobreza. Junto dessa complexa situação econômica, a estratificação social – que inclui o sistema de castas – segue influenciando não apenas a população na pobreza, mas também as oportunidades no país. Grupos marginalizados, como os dalits (intocáveis) e tribos indígenas, frequentemente enfrentam discriminação e desvantagens sociais e econômicas. Outras disparidades regionais seguem desempenhando um papel significativo na situação econômica indiana. Alguns estados, como Bihar e Jharkhand, têm níveis significativamente mais altos de pobreza do que outros estados mais desenvolvidos, como Maharashtra e Gujarat.

Além das imensas diferenças sociais e econômicas, a Índia tem sido palco de uma intensa perseguição religiosa da maioria hindu contra a “imensa minoria” muçulmana. Enquanto os hindus correspondem a cerca de 80% do país, algo em torno de 1,1 bilhão de pessoas, os muçulmanos compõem aproximadamente 15% da população, o que equivale a cerca de 220 milhões de praticantes. Ataques hindus a mesquitas têm sido comuns, assim como episódios de extrema violência e segregação. Ainda que as desavenças entre hindus e muçulmanos tenham raízes históricas e formem uma questão complexa, muitos dos episódios de extremismo hindu têm passado impunes.

É nesse país milenar de contrastes e complexidades que vem se destacando não apenas pelo crescimento econômico, mas também por proezas tecnológicas. Recentemente, a Índia tornou-se a quarta nação a realizar, com sucesso, um pouso na Lua – semanas após um fracasso russo em tentativa semelhante. A Organização Indiana de Pesquisa Espacial (ISRO) se destaca em missões de exploração lunar e marciana, além de ter lançado satélites comerciais para várias nações.

Não é “apenas” o setor aeroespacial que se destaca no subcontinente: a Índia emergiu como um polo tecnológico global nas últimas décadas, com uma indústria de tecnologia da informação (TI) e serviços de software em rápido crescimento. O país vem formando uma base de engenheiros e profissionais de tecnologia altamente qualificados em várias disciplinas de engenharia, com destaque para engenharia da computação, eletrônica e  comunicação, engenharia mecânica e engenharia elétrica.

Esses sucessos são o resultado de uma grande população jovem, com uma alta taxa de alfabetização, o que fornece uma base de talento humano substancial. Atualmente, o país abriga várias instituições de ensino superior de renome, como o Instituto Indiano de Tecnologia (IIT) e o Instituto Indiano de Administração (IIM), que produzem talentos de classe global. Anos atrás, o governo indiano lançou vários programas e políticas para promover o setor de tecnologia, como o Digital India e concedeu incentivos fiscais para empresas de TI.

Outros setores também se beneficiaram desses incentivos, como a área de biotecnologia – que vem pesquisando biologia molecular, biotecnologia médica e agrícola – e a indústria farmacêutica. A Índia é hoje um dos principais produtores de medicamentos genéricos no mundo, desempenhando um papel importante na indústria farmacêutica global.

Com tantos destaques notáveis, poderíamos pensar que isso tudo já é o suficiente. Mas não é. O primeiro-ministro Narendra Modi tem buscado cada vez mais ampliar a influência indiana pelo mundo, utilizando, para isso, uma política externa cada vez mais ativa. A Índia foi presidente do G20 entre 2022 e 2023 e agora possivelmente o país “mude de nome” e passe a se chamar Bharat”. Bharat é o nome tradicional da Índia em sânscrito, uma das línguas antigas do país, e tem profundos significados culturais e históricos. A mudança para Bharat, apoiada pelos nacionalistas – como o primeiro-ministro Modi –, reflete não apenas um sentimento, mas também uma afirmação da identidade indiana, destacando as raízes culturais do país. Na mais recente reunião do G20, o nome Bharat foi usado nos convites e na apresentação de Modi. Trata-se, segundo alguns políticos indianos, de se afastar cada vez mais de temas ou nomes que lembrem o domínio britânico na região. A mudança, no entanto, não será tão fácil: a Constituição Indiana reconhece o país como “Índia” em inglês e “Bharat” em hindi, e qualquer mudança requer  emendas constitucionais e um amplo consenso político.

*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray

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