A Venezuela e o delírio de Essequibo

João Alfredo Lopes Nyegray*

Após meses de antecipação, no último domingo, dia 3 de dezembro, os venezuelanos foram às urnas. Não para, finalmente, ter uma eleição verdadeiramente democrática, mas para votar no referendo sobre uma eventual anexação por Caracas da região guianesa de Essequibo. Essa região fica a oeste de um rio de mesmo nome, e é reivindicada pela Venezuela desde 1841. Ainda em 1899, após cinco décadas de tensão entre a Venezuela e a então Guiana Britânica, os países concordaram em submeter a disputa fronteiriça à arbitragem internacional. Um tribunal arbitral, composto por representantes de Rússia, Alemanha e Suécia, emitiu uma decisão que concedia a maior parte da região disputada à Guiana Britânica.

Em 1962, a Venezuela denunciou o resultado da arbitragem de 1899 às Nações Unidas, alegando que havia vícios no procedimento anterior e afirmando considerar a decisão nula e sem efeitos. Em 1966, no ano da independência da então Guiana Britânica, o Reino Unido reconheceu a existência de uma disputa entre o país e a Venezuela. Desde então, os países tentam, sem sucesso, chegar a um acordo sobre a região. Essa questão permaneceu latente até 2015, quando a Exxon Mobil descobriu imensas reservas de petróleo no mar essequibenho. 

Maior do que o estado do Ceará, Essequibo compreende cerca de 159 mil quilômetros quadrados, onde vivem pelo menos 125 mil guianenses – os números são contraditórios, mas a população total do país é de 804 mil pessoas. Além das recentes descobertas de reservas de petróleo, a região faz parte do chamado “Arco Mineiro do Orinoco”, onde existem vastas quantidades de ouro, cobre, ferro, diamante, bauxita, alumínio e diversos outros minerais. É devido a toda essa riqueza que o PIB da Guiana cresceu 57% em 2022 e deve crescer mais 25% neste ano. 

Certamente, visando essas riquezas, o governo de Nicolás Maduro promoveu o referendo do último domingo. Estavam aptos a votar aproximadamente 20 dos 30 milhões de venezuelanos, que deveriam responder a cinco perguntas:

  • Você rejeita a fronteira atual?
  • Você apoia o Acordo de Genebra de 1966?
  • Você concorda com a posição da Venezuela de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça?
  • Você discorda do uso pela Guiana de uma região marítima sobre a qual não há limites estabelecidos?
  • Você concorda com a criação do estado Guiana Essequiba e com a implementação de um plano de atenção à população desse território, que inclua a concessão de cidadania venezuelana e a incorporação desse estado ao mapa do território venezuelano?

A Corte Internacional de Justiça (CIJ), o mais alto órgão jurídico das Nações Unidas, com competência para resolver disputas entre Estados, decidiu, a pedido da Guiana, que qualquer tentativa de anexação venezuelana é ilegal. Ainda que a Venezuela reconheça a jurisdição da Corte, para Caracas trata-se de uma interferência da CIJ numa questão interna, o que claramente não é verdadeiro.

Enquanto a Guiana cresce astronomicamente, a Venezuela enfrenta uma situação oposta há muitos anos: estima-se que entre 2014 e 2020, o PIB do país tenha contraído mais de 70%, e a hiperinflação atingiu absurdos 1,3 milhão % em 2018, devendo fechar 2023 em 400% ao ano. Em termos de qualidade de vida, a situação é ainda pior: cerca de 94% dos venezuelanos vivem na pobreza, e desse total, 76% são considerados miseráveis.

Como um dos maiores produtores de petróleo do mundo, a Venezuela é altamente dependente das receitas provenientes da exportação da commodity. A queda nos preços do item no mercado internacional agravou a crise do país, uma vez que as receitas declinaram, exacerbando os desequilíbrios fiscais. A essa situação somaram-se sanções econômicas impostas por vários países, contribuindo para a deterioração da economia venezuelana. 

Com a invasão russa à Ucrânia, os valores do petróleo voltaram a subir no mercado internacional. Como resultado, algumas das sanções impostas à Venezuela foram retiradas, dando uma falsa esperança de melhoria à população do país. Em outubro deste ano, os EUA anunciaram a suspensão temporária das sanções ao petróleo, gás e ouro da Venezuela, em resposta ao acordo do governo Maduro e a oposição para garantir eleições presidenciais mais democráticas em 2024. 

Após anos de declínio, justo quando surgia alguma esperança de melhora, a Venezuela lança uma campanha para anexar Essequibo. A análise que podemos fazer aponta, justamente, para as eleições presidenciais: em tempos de esperança frustrada e recessão, Nicolás Maduro busca unir o povo venezuelano numa empreitada “patriótica”. Segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), cerca de 96% dos mais de 10 milhões de eleitores votaram favoravelmente à anexação. Maduro aproveitará esse resultado, ainda que possivelmente não tome ações militares por enquanto, para angariar votos na eleição presidencial que mais chamará atenção da comunidade internacional nos últimos anos. Mais recentemente, o presidente venezuelano apresentou o novo mapa oficial do país com a região de Essequibo incorporada a Venezuela. Nesse contexto, Maduro ordenou a petroleira estatal a concessão de licenças imediatas para a exploração dos ricos recursos naturais da região.

A Guiana, por sua vez, chegou a pedir ajuda ao Brasil para acalmar os ímpetos de Caracas. O presidente Lula da Silva, próximo de Maduro, limitou-se a pedir prudência a ambos os lados. Embora o governo brasileiro acredite que os venezuelanos não tomarão ações militares, blindados do exército estão sendo enviados para a fronteira com a Venezuela. Isso mostra que, em Geopolítica e Relações Internacionais a mera escalada da tensão já é motivo de preocupação.

*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray

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