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Imigração e a falência da democracia no Brasil

Imigração e a falência da democracia no Brasil

Antonio Djalma Braga Junior e Mauro Cardoso Simões

Os imigrantes haitianos e venezuelanos – para citar alguns – que se estabeleceram no Brasil têm enfrentado dificuldades econômicas e sociais que ferem a sua dignidade, desde a questão do idioma, a inserção no mercado de trabalho, questões culturais, até o preconceito e a xenofobia. A inexistência de políticas públicas claras, objetivas e eficientes, que possibilitem a inserção e a valorização desses povos, reflete-se na falta de acolhimento que permita ao imigrante o direito de coabitar e coexistir de modo digno.

Esses problemas têm sua causa na crise da democracia e da ideia de Estado-nação que a modernidade nos legou. Por isso, precisamos ampliar nossa compreensão e inserir novos elementos na discussão sobre o papel do Estado para que ele consiga lidar com o “direito dos outros” (imigrantes, refugiados e requerentes de asilo), favorecendo uma democracia efetiva que comporte aspectos como a valorização de sua identidade coletiva, participação política e defesa do direito a ter direitos e conquistas sociais.

Mas, poderia um imigrante haitiano e venezuelano ter direitos (sociais e políticos) sem que possua nacionalidade brasileira? Essa questão nos leva à ideia que analisamos aqui: o direito a possuir direitos não pode mais depender do status de sua cidadania de origem. Por conta da crise da democracia moderna, o ideal de cidadania exige uma profunda revisão. A questão das relações entre nacionais e estrangeiros, cidadãos e imigrantes, não nos possibilita a compreensão do quão profundo é o problema e, mais do que isso, não são considerados nessa equação os problemas que o conceito de soberania e cidadania encerram, destinando os migrantes a uma exclusão violenta.

É nesse sentido que Donatella Di Cesare (em seu livro “Stranieri Residente – Una filosofia della migrazione”) busca analisar o tema da migração, com forte ênfase nas questões filosóficas de fundo. A autora procura extrair algumas teses que nos permitem analisar a existência do fenômeno das migrações mundo afora e a situação do direito do migrante de modo atual.

Di Cesare considera que a democracia até consegue dar conta de seus problemas no âmbito de uma política externa, mas acaba não alcançando êxito quando o assunto é transnacional. Observa nos campos de refugiados espalhados pelo mundo a falência da democracia, que vê no migrante uma forma de violência e desagregação dos valores nacionais. Vê, também, a migração ser associada ao tráfico de pessoas, tese comumente aceita e em que se destaca que quem migra não o faz voluntariamente, sendo essa afirmação utilizada com certa frequência pela democracia liberal como pretexto para excluir, segregar e não acolher.

É nesse sentido que Di Cesare denuncia o “mito da democracia”, que tem espalhado a concepção de que a preservação da soberania de um estado está associada à preservação do território e da cultura política nacional, além da ideia de que ser um cidadão implicaria em ser um guardião sempre pronto a zelar pela nação. Na Grécia Antiga, ser cidadão exigia uma vinculação com a terra, coisa que o migrante não possuiria e, portanto, não poderia ter acesso. No caso do Brasil, podemos ver isso na atualidade em expressões como “a Amazônia é nossa”, um jargão que simboliza sermos os responsáveis por zelar pelo nosso território.

A terra e o sangue não podem mais ser o critério para a análise da questão da migração. Parece urgente e imprescindível que formulemos políticas de acolhimento aos migrantes que lhes permitam coabitar e coexistir. É isso que Di Cesare compreende ao afirmar que somos todos estrangeiros residentes e, por esse motivo, indica ser imprescindível pensarmos a acolhida a partir da política, expandindo a noção de comunidade para além das fronteiras territoriais. Ela sugere ainda considerar que a coabitação e a coexistência com todas as raças, etnias e estrangeiros sejam elementos mais importantes e fundamentais nessa discussão do que o conceito de cidadania, pois todos devem possuir direitos iguais sobre a terra.

Assim, em vez de impedir a coabitação, nossa política deveria salvaguardá-la, pois somos todos, ao mesmo tempo, cidadãos e migrantes, estrangeiros e residentes.

Mauro Cardoso Simões, filósofo e doutor em Filosofia, é professor na Faculdade de Ciências Aplicadas da UNICAMP. Antonio Djalma Braga Junior, filósofo, historiador e doutor em Filosofia, é professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo. 

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