Bruno Milano Centa e Phillipe Fabrício de Mello*
A discussão em torno da Resolução Normativa nº 433/2018, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), tratou, entre outros temas, da participação do usuário do plano ou seguro privado de saúde no pagamento pelo uso do serviço médico e hospitalar. A presidente do STF, Cármen Lúcia, decidiu liminarmente pela suspensão dos efeitos dessa Resolução, fundamentada pelo entendimento de ferimento do Direito Fundamental à Saúde, pois o ato administrativo regulatório traria possível prejuízo aos consumidores, já que a situação de coparticipação e franquia não tem justificativa estabelecida em Lei e, com isso, há problema de Vício de Origem. Ou seja, a ANS não teria delegação legalmente estipulada para dispor sobre essa forma de contratação.
O Direito Fundamental da Saúde é disciplinado na Constituição Federal como um direito de prestação estatal, que demanda condutas ativas do Estado na promoção, prevenção e proteção da saúde de maneira eficaz aos cidadãos brasileiros e aqueles em solo nacional. É possível que o Estado preste esses serviços por meio de contratos ou convênios com pessoas pertencentes à iniciativa privada, a chamada rede complementar. Os artigos 6º, 196 e 197 da Constituição Federal possuem a atenção voltada a este aspecto, por sua estrutura própria ou por aquela que busca na iniciativa privada.
Além disso, o artigo 197º, da Constituição Federal, também trata da previsão de regulamentação, fiscalização e controle das atividades de saúde, o que acompanha outra disposição constitucional semelhante, a do artigo 174º, que prevê que o Estado exercerá “na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento”, reprimindo sempre o abuso do poder econômico, eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros, em conjugação com o §4º, do artigo 173º, da Constituição Federal.
Não é despropositado trazer os artigos 173º e, 174º, ambos da Constituição Federal, que estão inseridos no contexto da proteção da ordem econômica e financeira, pois o constituinte entendeu por bem dar liberdade à iniciativa privada de exploração da saúde, pelo artigo 199º, que muito claramente dispõe: “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada”.
Este é o contexto constitucional que a Resolução ANS 433/2018 deve ser inserida, no âmbito privado, da saúde suplementar, com cobertura de custeio assistencial de capital privado, mas devidamente fiscalizado, regulado, normatizado e controlado pelo Estado, pelas mais variadas formas, Anvisa, ANS, Ministério da Saúde, Ministério Público, dentre outros agentes.
Se a Constituição Federal deixou livre a exploração da saúde, frisa-se novamente que com severas limitações e fiscalizações bastante contundentes, o fez como proteção de quem está no mercado, principalmente o consumidor, pelos Princípios da Propriedade Privada, também direito fundamental, da Livre Concorrência e da Defesa do Consumidor, o que nos parece ter sido a intenção da ANS quando editou a Resolução.
Explico. Não é novidade no mercado de cobertura de custeio assistencial que as entidades mantêm contratos em que há a participação do usuário no pagamento dos serviços. As chamadas franquias e coparticipações já são praticadas no livre mercado, sem que exista regulação própria trazida pelo Estado específica para este fim que possibilite a segurança do consumidor em não chegar ao ponto de gastar duas ou três vezes o preço. Até então essas ações teriam de ser coibidas por ações judiciais, que poderiam ter resultados dos mais diversos, até porque qual seria o parâmetro de medição de abusividade? O dobro, o triplo, ou metade da prestação mensal?
Isso demanda regulação de mercado, que é livre, cujas limitações para o exercício somente ocorre por meio do Poder Público. A ANS possui o poder/dever de regular esse mercado, estabelecendo aspectos dos contratos e normas para a utilização dos produtos das operadoras e seguradoras de saúde, avaliando-os e tomando medidas que estimulem a concorrência, com o intuito disseminar o acesso a esses serviços pela população brasileira. É o que se quer com a estimulação da concorrência em qualquer mercado.
Contar com a competência do Poder Legislativo para a regulação do mercado suplementar de saúde, que possui imensa complexidade, é dizer ao usuário que as contratações com coparticipações e franquias serão analisadas pelo Congresso Nacional e o estudo será aprofundado rapidamente e de modo eficaz, com o resultado da votação, que será designada por cada presidente, do Senado e da Câmara dos Deputados.
Atualmente, essa é uma situação que acaba com a esperança do cidadão de ter previsibilidade nas contratações e, por outro lado, também afeta quem empenha recursos para trabalhar neste mercado, que busca aprimorar o atendimento, sem falir, e com expectativas de resultados.
Até mesmo seria difícil perceber que cerca de 250 procedimentos estariam fora da possibilidade de estipulação de franquia ou coparticipação, que haveria limitação do valor da mensalidade e no ano da soma dos 12 meses, isso tudo em mercado que já possuía esta prática e que não prevê muitas destas exclusões.
Boa ou má, a Resolução ANS nº 433/2018 foi elaborada e implementada por quem detém delegação legal, e buscou de algum modo trazer previsibilidade, segurança e perenidade ao mercado suplementar. Assistiremos todos às discussões que ocorrerão no dia 04 de setembro, data prevista para a próxima audiência pública sobre o tema, cujas contribuições de interessados poderão ser enviadas eletronicamente. Espera-se com, muita esperança, que se chegue à melhor opção para os mecanismos financeiros de regulação – o que só o tempo mostrará.
*Phillipe Fabrício de Mello é advogado, professor e especialista em Direito de Empresa. Bruno Milano Centa, advogado, é mestre em Direito e professor da Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho da Universidade Positivo (UP).