“Tudo o que era sólido se desmancha no ar”. As ideias de Karl Marx são acatadas e atacadas com igual paixão e veemência, mas sobre esta parece haver consenso.
Quem não nasceu no atual milênio nem brincou com jogos eletrônicos antes ainda de saber falar direito tem a sensação de viver em um mundo que se transfigura. Revistas e jornais desaparecem, deixam de ser publicados no formato conhecido e passam a ser disponíveis apenas na versão online, os automóveis que foram sonho secular de consumo parecem ter perdido o encanto e se transformado em meros meios de transporte poluidores, empregos tradicionais ameaçam tornar-se irrelevantes, profissões impensáveis uma década atrás são desenhadas para o sucesso. Heróis morrem de overdose, ídolos novos são criados em velocidade supersônica.
É normal que as coisas mudem, mudança é condição de vida, mas a velocidade com que essas mudanças vêm ocorrendo talvez supere nossa capacidade adaptativa; a humanidade demorou cerca de dez mil anos desde a invenção da escrita para criar a prensa de Gutenberg, e desta, menos de cinco séculos para a criação dos computadores, smartphones, tablets e outros recursos eletrônicos; quando os livros impressos em papel pareciam eternizados começaram a ser substituídos pelas plataformas online.
Nos anos 1980 a grande novidade de diversão doméstica era o videocassete, logo superado por DVD, Blue Ray, redes de Streaming e outros sistemas. Não é preciso ser contemporâneo de Matusalém para ter vivido parte da vida adulta antes que sequer se pensasse nestas possibilidades, quando projetores domésticos eram o máximo a que se podia aspirar em termos de “cinema em casa”. E apenas quatro ou cinco gerações nos separam da própria invenção do cinema. O prodígio da comunicação por telefones celulares cada vez mais sofisticados e poderosos é mais recente ainda, há pouco mais de trinta anos eram “tijolos” ao alcance apenas dos mais ricos, e com reduzidas áreas de cobertura. Os bisnetos de Graham Bell provavelmente estão usando celulares, que a cada dois anos estão ultrapassados, precisando ser trocados por outros com mais funções, sem que cheguemos a dominar aquelas anteriores.
A curva da evolução tecnológica sofreu uma inflexão brutal durante o século vinte, e aponta para cima quase em sentido vertical, isso não é algo necessariamente bom ou mau, é um fato, mas, à parte a necessidade contínua de atualização, tem consequências emocionais e culturais que transcendem, e muito, a capacidade de nosso sistema educacional prover uma boa formação para nossos jovens.
Nunca possuímos um projeto de ensino-aprendizagem eficaz para o alcance das grandes massas, apenas algumas ilhas de excelência que não chegaram a classificar como boa a nossa educação, cada vez mais estamos defasados e assistindo o mundo modernizar-se, sem condições de acompanhar este ritmo.
Realizadores de milhares de propostas mirabolantes para a melhoria do sistema educacional, feitas por gestores muitas vezes complemente alheios à área, começamos novas propostas salvadoras a cada troca de governo e poucas, muitas poucas delas foram efetivamente implantadas ou apresentaram soluções minimamente aceitáveis.
No entanto não estamos sozinhos, muitos outros países nos acompanham nesta obsolescência vertiginosa: enquanto o conhecimento se expande e a tecnologia evolui, condenados a apenas comprar para usufruir, gastando para isso nossas reservas naturais em acelerada extinção, vemos crescer a violência e os procedimentos não sustentáveis, e ao lado de super-homens em países com excelente capacidade educacional, que dominam a ciência, somos cada vez mais usuários não qualificados de aparatos incompreensíveis porem desejados. Desconhecemos como criar, mas matamos para obter.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil. wcmc@mps.com.br