*Josรฉ Pio Martins
Sobre a importรขncia da educaรงรฃo na democracia, o famoso economista John Kenneth Galbraith (1908-2006) disse: โAs democracias contemporรขneas vivem sob o temor da influรชncia dos ignorantesโ. Ele se referia ao fato de que, na democracia, nรฃo importa se a pessoa รฉ ignorante ou educada e consciente, todos tรชm direito a votar e opinar, e os ignorantes podem favorecer projetos demagรณgicos e ficar contra medidas duras, porรฉm necessรกrias.
O filรณsofo espanhol Fernando Savater entrou na discussรฃo para dizer que Galbraith nรฃo se referia aos ignorantes no sentido cientรญfico do termo. Ele se referia ร ignorรขncia que รฉ perigosa ร democracia, ou seja, a ignorรขncia de quem รฉ incapaz de entender um argumento alheio, incapaz de entender um texto simples tratando de questรตes importantes. O ignorante รฉ alguรฉm incapaz de persuadir os outros ou de ser persuadido pelos outros. Quem nรฃo consegue persuadir ou ser persuadido nรฃo estรก preparado para uma vida democrรกtica, pois a democracia รฉ um regime de persuasรฃo mรบtua e todos devemos tentar persuadir os outros e nos abrir ร persuasรฃo pelos outros.
Outra questรฃo interessante levantada pelo filรณsofo รฉ quanto ร crenรงa de que todas opiniรตes sรฃo respeitรกveis. ร รณbvio que todas as pessoas sรฃo respeitรกveis, nรฃo importando suas opiniรตes. Mas as opiniรตes em si nรฃo sรฃo respeitรกveis. A forma de respeitar as opiniรตes รฉ discuti-las. Se alguรฉm diz que dois mais dois sรฃo cinco, essa nรฃo รฉ uma opiniรฃo respeitรกvel. ร apenas um erro. O autor deve ser respeitado, mas nรฃo pode dar aulas de matemรกtica; e o bem que podemos fazer a ele รฉ mostrar seu equรญvoco.
Essas questรตes podem ser trazidas para o ambiente familiar, o ambiente profissional e, muito apropriadamente, para o mundo das organizaรงรตes. Nossos problemas no trabalho passam pela necessidade de estudar, opinar, debater, persuadir, ser persuadido e fazer concessรตes. Hoje, fala-se muito em democracia nas empresas. Na democracia, a arte maior รฉ saber ouvir. Um lรญder que nรฃo ouve, a rigor, nรฃo รฉ um lรญder, geralmente รฉ um chefe mandรฃo que nรฃo se interessa pelo que os outros pensam. Vale mencionar que o debate honesto pressupรตe o conhecimento dos termos do problema. Um exemplo รฉ a discussรฃo no Congresso Nacional sobre a reforma da previdรชncia. ร assustador o desconhecimento de muitos parlamentares sobre o tema e a complexidade tรฉcnica envolvida.
Um dos traรงos da boa lideranรงa รฉ que o lรญder deve ser procurado. Quando os liderados comeรงam a evitar o chefe รฉ porque ele jรก estรก perdendo a lideranรงa. Sobre a capacidade de ouvir, lembro um texto do professor Rubem Alves, que diz: โO que as pessoas mais desejam รฉ alguรฉm que as escute, de maneira calma e tranquila. Em silรชncio. Sem dar conselhos. Nรณs amamos nรฃo รฉ a pessoa que fala bonito. Amamos a pessoa que escuta bonito. A fala sรณ รฉ bonita quando nasce de longa e silenciosa escuta. ร na escuta que o amor cresce. E รฉ na nรฃo-escuta que ele termina. Nรฃo aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenรงรฃo.โ
O fim de ano e o espรญrito do Natal ensejam boa oportunidade para pensarmos mais em virtudes e menos em coisas, mais em amizade e menos em negรณcios, mais em amor e menos em dinheiro. Todos gostamos de arrumar receitas para melhorar os outros, quando antes deverรญamos melhorar a nรณs mesmos, coisa que nรฃo รฉ fรกcil. ร sempre mais cรดmodo acreditar, como dizia o filรณsofo Jean-Paul Sartre, que โo inferno sรฃo os outrosโ.
Josรฉ Pio Martins, economista, รฉ reitor da Universidade Positivo