O enfrentamento da unicidade sindical

Alessandra Barichello Boskovic*

O sistema sindical brasileiro รฉ pautado no princรญpio da unicidade, segundo o qual โ€œรฉ vedada a criaรงรฃo de mais de uma organizaรงรฃo sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econรดmica, na mesma base territorial, que serรก definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, nรฃo podendo ser inferior ร  รกrea de um Municรญpioโ€ (art. 8ยบ, II, CF). Isso significa que sรณ รฉ juridicamente possรญvel a existรชncia de um รบnico sindicato para representaรงรฃo de uma dada categoria profissional ou econรดmica em determinada รกrea geogrรกfica.

Esse sistema de unicidade vai na contramรฃo da tendรชncia mundial. A Declaraรงรฃo Universal dos Direitos Humanos assevera que โ€œtoda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interessesโ€ (art. 23, 4). O Pacto Internacional sobre Direitos Econรดmicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polรญticos (PIDCP) tambรฉm tangenciam a proteรงรฃo sindical.

A Convenรงรฃo nยบ 87 da Organizaรงรฃo Internacional do Trabalho (OIT), que foi ratificada por mais de 120 paรญses e que รฉ considerada uma das oito Convenรงรตes fundamentais da OIT, preconiza que os Estados-membros garantam, em seus ordenamentos jurรญdicos internos, uma liberdade sindical plena.

A liberdade sindical em sentido pleno significa que o Direito deve garantir aos trabalhadores e ร s empresas o poder de: (1) optarem ou nรฃo pela filiaรงรฃo e pela desfiliaรงรฃo sindical; e (2) escolhendo sindicalizar-se, elegerem qual a entidade sindical que melhor os representa. Isso somente รฉ possรญvel em um sistema que viabilize a pluralidade sindical, presente em grande parte dos paรญses ocidentais desenvolvidos, tais como Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra e Franรงa.

O Brasil nรฃo ratificou a Convenรงรฃo nยบ 87 e a liberdade sindical conferida em nosso paรญs รฉ limitada: existindo apenas um sindicato que represente determinada categoria, nรฃo hรก efetivo poder de escolha em relaรงรฃo a qual serรก o sindicato a melhor representรก-la.

A unicidade contribui para uma acomodaรงรฃo de parte das entidades sindicais, jรก que havendo apenas um sindicato para cada categoria/localidade, inexiste uma saudรกvel competiรงรฃo pela representaรงรฃo de trabalhadores e empregadores. Jรก no sistema de pluralidade sindical, a mera existรชncia de outras entidades sindicais contribui, por si sรณ, para uma gestรฃo mais proativa e combativa: os sindicatos mais atuantes conquistarรฃo maiores fatias de representaรงรฃo sindical.

A unicidade sindical tambรฉm nรฃo se compatibiliza ร s novas diretrizes estabelecidas pela reforma trabalhista, que afastam a compulsoriedade da contribuiรงรฃo sindical e atribuem aos sindicatos maior poder negocial. Se a tendรชncia atual no Direito do Trabalho รฉ conferir maior peso ร s normas autรดnomas coletivas, e se a criaรงรฃo de tais normas pressupรตe a atuaรงรฃo sindical (conforme art. 8ยบ, VI, CF), imperioso se faz o fortalecimento das entidades sindicais no sentido de efetiva representatividade. A reforma sindical passa, portanto, pelo enfrentamento da unicidade sindical.

*Alessandra Barichello Boskovic, advogada e doutora em Direito. Coordenadora da Pรณs-Graduaรงรฃo em Direito e Processo do Trabalho da Universidade Positivo.

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