O Estado como planejador, gestor e administrador tem sido, justa ou injustamente, considerado inepto e até mesmo corrupto. Tal avaliação independe de ideologia, tanto as supostas esquerda quanto direita partilham o mesmo julgamento, ou pelo menos é assim que parecem pensar quando assumem algum tipo de poder.
O “Mercado” por outro lado é incensado e seus hipotéticos poderes e eficiência comemorados irrestritamente. As frequentes catástrofes resultantes do descontrole concedido aos seus agentes – quebras de instituições financeiras, desvios de verbas, investimentos nebulosos em “campeões nacionais” – não parecem ser percebidas pelos seus cultores.
Um norte-americano contribuinte de sua “receita federal” denomina-se orgulhosamente taxpayer, pagador de impostos, isto expressa sua consciência de que é um cidadão e que tem direitos. Para fiscalizar a aplicação de impostos, no final dos anos 1950 surgiu nos Estados Unidos uma corrente de pensamento econômico denominada teoria da escolha pública (public choice). Este paradigma direciona atenção ao papel regulador e prestador de serviços de cada governo que contribuiria para o bem-estar social, pressupondo que os indivíduos estão aptos a agir com racionalidade na maximização de seus interesses, que informações deverão estar sempre disponíveis com a finalidade de garantir boas decisões, sendo, portanto, possível expandir a noção de mercado tradicional, intercambiando bens privados com bens públicos. Um mercado devidamente fiscalizado pelo Estado costuma ser o mais adequado mecanismo para a tomada de decisões políticas e integração social.
Uma ideia pensada por muitos governos, e agora pelo brasileiro, é a adoção do voucher educacional, sistema pelo qual os pais receberiam um vale de determinado valor a ser usado no pagamento de escola privada para seus filhos; e numa expansão do sistema, seria repassado às escolas públicas montante proporcional ao número de alunos. Isso corresponde ao entendimento da teoria econômica do mercado como a base normativa da política, ou seja, o governo subsidiando as escolas escolhidas pelos pais em estrita proporção com o número de alunos matriculados, pois estas teriam o consenso popular da mais alta qualidade, em um sistema de financiamento à demanda educacional, com a injeção de recursos naquelas eleitas pelos pais da criança, introduzindo rivalidade entre as escolas públicas e também privadas, que competiriam pelo dinheiro.
São muitos os argumentos em favor dos vouchers: o direito de escolha do consumidor neste caso é equivalente ao direito dos pais na escolha da escola de seus filhos, e que esta opção tende a estimular o interesse e participação da família nos processos escolares – o que efetivamente auxilia muito quando acontece.
Entretanto, não podemos esquecer os inúmeros fatores que influem na escolha dos pais para a escola dos filhos, destacando a proximidade da residência nos casos em que não haja transporte escolar gratuito ou disponibilidade financeira para este fim. A avaliação da qualidade do ensino oferecido é tema que desafia até mesmo profissionais desta área, os pais poderiam talvez basear-se em “rankings” publicados periodicamente, mas a simples menção à existência de tais listas é assunto tabu e gerador de conflito entre educadores. Pais que tiveram acesso à educação de qualidade e pertencem a um estrato cultural privilegiado poderão julgar melhor onde seus filhos estudarão, e isso é o que já fazem; mas o projeto visaria a inclusão justamente daqueles que não contam com tais vantagens.
Outro problema é a ideia de um mercado perfeito associado a uma sociedade perfeita, quando a realidade mostra que algumas famílias têm flexibilidade de horários, discernimento de qualidade e maior poder supervisor, mas essa não é a situação de toda a população. Liberdade de escolha é uma ilusão para estes pais, e o voucher educacional pode não representar a panaceia universal.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil. <wcmc@mps.com.br>