A arte de partejar

Acedriana Vicente Vogel*


Nรฃo hรก pai, mรฃe ou responsรกvel que nรฃo queira o bem para o seu filho. Bem como, de que o todo professor quer o melhor para o seu aluno. Portanto, estรก entre as intenรงรตes doย adulto responsรกvelย aumentar as possibilidades de vida e de felicidade da experiรชncia humana. Mas o que vem a ser querer o bem, querer o melhor em relaรงรฃo ao outro? O verbo partejar traz em sua essรชncia os indicativos para compor essa resposta. Significa dar ร  luz, trazer a vida, dar vez ao outro que, pelo princรญpio da alteridade, tem o direito de, ao longo da sua histรณria, constituir-se por meio das relaรงรตes que ele estabelece com seus referentes. De emanar a sua energia particular, produzindo luz prรณpria.

Enquanto se irradia a energia gerada pela vida, de forma circular, num processo de captaรงรฃo e transferรชncia entre as pessoas, se persegue um objetivo comum: ser feliz – que, curiosamente, รฉ um horizonte que nรฃo se consegue construir sozinho. Identifica-se, portanto, uma das principais caracterรญsticas humanas: a interdependรชncia, ou seja, a necessidade da presenรงa do outro na vida de cada um. A origem latina da palavra feliz remete ร  fertilidade, ร  capacidade de despertar em si e no outro a vida fulgurada.

Assim sendo, felicidade tem relaรงรฃo direta com o sentimento de vida fรฉrtil. Josรฉ Outeiral, mรฉdico psiquiatra, tem um exemplo pertinente ao contexto conceitual que se pretende construir, no que diz respeito aoย adulto responsรกvel. Trata-se daquele que vรช em seu filho/aluno o Davi que Michelangelo conseguia enxergar em um pedaรงo de pedra. A sua arte concentrou-se, apenas e tรฃo somente, em retirar os excessos, para que todos pudessem apreciar a obra que estava contida na pedra. Isso รฉ trazer ร  luz, tornando real o que jรก existia potencialmente, pela energia de um โ€œsoproโ€, carregado de expectativa positiva. ร‰ acreditar,ย a priori, na possibilidade capturada pelo olhar atento e generoso, ajudando o outro, por quem se responde, a se realizar.

Para tanto, faz-se necessรกrio refletir em torno de alguns questionamentos que ajudam a ampliar a consciรชncia sobre as energias capazes de se transformar em โ€œsopro de vidaโ€. Comoย adulto responsรกvel, as suas aรงรตes revelam uma proximidade com o conceito de raiz, que nutre, alimenta e revigora? Ou com o de รขncora, que imobiliza e aprisiona, transformando-o em um รญdolo para o seu referente? Seu fazer se concentra no que รฉ possรญvel ou no tornar possรญvel o que รฉ necessรกrio? Suas atitudes promovem a fertilizaรงรฃo ou a esterilizaรงรฃo do potencial humano daqueles com os quais se relaciona? Seu filho/aluno tem ciรชncia doย lugar de valorย que ele ocupa em sua vida e das suas expectativas em relaรงรฃo ao seu potencial?

Pertencer ao projeto de vida de umย adulto responsรกvelย รฉ salutar e indispensรกvel para o desenvolvimento das potencialidades humanas. O sentimento de pertenรงa, uma vez existente, precisa ser cultivado pela qualidade do tempo e da energia investidos nas oportunidades de relacionamento. ย Cada vez mais se constata que esse sentimento se apresenta como basilar para a realizaรงรฃo do projeto de vida dos filhos/alunos que, quando assumidos como umย lugar de valorย em nossas vidas, sรฃo cativados – e acabamos por nos tornar responsรกveis, parafraseando Saint-Exupรจry.

* Acedriana Vicente Vogel รฉ diretora pedagรณgica da Editora Positivo

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