O ano de 2019 tem sido, sem dúvidas, muito fértil para os noticiários políticos internacionais. No Reino Unido, o Primeiro Ministro Boris Johnson está sendo acusado de mentir para a Rainha Elizabeth II, a monarca mais longeva da história britânica, para conseguir prorrogar a suspensão do Parlamento. A ideia de Johnson era de, ao estender as férias parlamentares, conseguir aprovar a saída do Reino Unido da União Europeia sem um acordo claro e sem debates na Câmara dos Lordes e na Câmara dos Comuns. Seria, na prática, um hard Brexit.
Dentre as várias pedras no sapato do premiê está a questão da fronteira entre as Irlandas. Na ilha de mesmo nome coexistem a República da Irlanda, independente e membro da União Europeia, e a Irlanda do Norte – parte do Reino Unido. A fronteira entre ambas as Irlandas têm aproximadamente 500 quilômetros, que até então não eram fiscalizados por funcionários aduaneiros ou alfandegários. Com o Brexit, se tornaria necessária não apenas uma fronteira administrativa, mas também a fiscalização de pessoas, automóveis e mercadorias.
A medida de Boris Johnson, de recomendar à Rainha a suspensão do parlamento foi vista como um “ultraje constitucional”, e como uma forma de amordaçar os parlamentares contrários à saída da União Europeia sem um acordo. Recentemente, uma corte escocesa classificou a medida do Primeiro Ministro de ilegal e o acusou de mentir à Rainha para se livrar de discussões com os questionadores do Brexit. Agora, Johnson está sendo visto como um líder totalitário e antidemocrático.
Do outro lado do oceano, Donald Trump também tem movimentado os noticiários. Primeiro, com a guerra comercial contra os chineses, que sacudiu as bolsas de valores e as economias de todo o mundo. Produtos chineses passaram a pagar mais tarifas ao entrar nos EUA, da mesma forma que produtos estadunidenses tiveram sobretaxas para entrar na China. Para países como o Brasil, que exportam em grande quantidade para China e Estados Unidos, esses entraves são muito preocupantes, pois podem afetar diretamente nossa balança comercial. Recentemente, no entanto, Trump indicou um recuo ao cogitar um acordo comercial preliminar com o país asiático.
Por fim – mas não por último – a Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a abertura de uma investigação contra Trump, o que poderia desembocar num processo de impeachment. Por mais que um impeachment de Trump dificilmente seja aprovado em um senado de maioria republicana, o desgaste é inevitável – ainda mais há cerca de um ano das eleições presidenciais americanas.
Finalmente, no Brasil, as coisas não andam menos movimentadas. Depois das trocas de farpas entre Bolsonaro e o presidente francês Emanuel Macron, os franceses ameaçam boicotar o acordo comercial Mercosul-União Europeia. Como se não bastasse, as queimadas na Amazônia continuam a reverberar mal no continente europeu, ferrenho crítico das políticas ambientais de Bolsonaro. Também por conta da questão ambiental, muitos consumidores europeus têm ameaçado boicotar produtos brasileiros.
Em paralelo, o filho do presidente Jair Bolsonaro, Carlos Bolsonaro, afirmou que “por vias democráticas” o Brasil não terá as mudanças das quais precisa, o que foi visto como uma fala “à la Boris Johnson querendo suspender o parlamento”.
Na Argentina, maior parceiro comercial do Brasil no Mercosul, o candidato à presidência que tem liderado as pesquisas eleitorais, Alberto Fernández (cuja chapa conta com Cristina Kirschner como candidata à vice presidência) já demonstrou intenção em rever o acordo Mercosul-UE.
Enquanto tudo isso acontece (e ao mesmo tempo, diga-se de passagem), o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirma em Washington que a mudança climática é uma conspiração marxista, o que demonstra despreocupação não só em relação às questões de mudança climática em si, mas também a toda pauta ambiental. Assim, pode-se afirmar que a atuação de Araújo está muito longe de ser o que o Brasil precisa nesse momento.
Com a economia patinando, o comércio internacional poderia ser a saída para um maior crescimento do país. Para isso, a atuação do Itamaraty deveria estar direcionada à abertura comercial, à busca de acordos de comércio e à participação ativa em importantes eventos comerciais internacionais. O que tem ocorrido, no entanto, é o oposto: discussões desnecessárias e afirmações descabidas.
Como todos sabem, na era da informação, o consumidor tornou-se um novo poder. Caso os europeus, por razões ambientais, decidam boicotar os produtos brasileiros, o prejuízo para nossa indústria e para nossa economia seria imenso. Enquanto Boris Johnson e Donald Trump enfrentam sérios problemas em seus países – cada qual a sua maneira – muitos dos problemas que o Brasil tem enfrentado foram criados justamente por aqueles que deveriam estar nos guiando rumo a um futuro mais próspero: nossos governantes.
A atual interconectividade global, proporcionada pela globalização de mercados, faz com que postagens e tweets tenham um peso imenso na imagem do país. Enquanto outros líderes enfrentam problemas, o Brasil perde a chance de aumentar seu protagonismo no mundo e a economia permanece sem crescer. Bem, seja lá o que o futuro nos reserve, se um Brexit sem acordo em outubro, Donald Trump reeleito ou não em 2020 e o acordo Mercosul-EU revisto, nos negócios internacionais e nas relações internacionais pode-se morrer de qualquer coisa. Menos de tédio.
*João Alfredo Lopes Nyegray, doutorando em estratégia, mestre em internacionalização. Advogado, formado em Relações Internacionais e especialista em Negócios Internacionais. Professor de Relações Internacionais, Comércio Exterior, Administração e Economia na Universidade Positivo.