Se algumas de nossas escolas já estão navegando na Educação 4.0 – alinhada às demandas da Indústria 4.0, como inteligência artificial, robótica, programação, espaços maker, gameficação do ensino –, no outro extremo temos escolas cuja única “revolução” se limita a passar do quadro de giz para a lousa branca – que em tom jocoso se diz Educação 2.0.
Jacir J. Venturi
Um escritor espanhol do século XVIII dizia que, se rei fosse, determinaria às escolas não mais disciplinas de oratória, e sim de “escutatória”. Parafraseando, em analogia, eu diria que, se rei fosse, universalizaria, em escolas públicas e privadas, ações metodológicas capazes de desenvolver a fluência digital e uma elevada cultura tecnológica.
Se algumas de nossas escolas já estão navegando na Educação 4.0 – alinhada às demandas da Indústria 4.0, como inteligência artificial, robótica, programação, espaços maker, gameficação do ensino –, no outro extremo temos escolas cuja única “revolução” se limita a passar do quadro de giz para a lousa branca – que em tom jocoso se diz Educação 2.0.
Evidentemente, transformar essa realidade das escolas brasileiras demanda vultosos investimentos, uma política de longo prazo e uma intensa capacitação de professores e gestores, para que, ao longo da trajetória escolar, todos os alunos desenvolvam a fluência digital, uma das mais importantes competências do mundo contemporâneo.
Em visita oficial de nove dias ao Vale do Silício em 2018, praticamente em todas as palestras a fluência digital foi enaltecida e apresentada como requisito indispensável para sobrevivência no mundo atual, ao lado das soft skills (competências socioemocionais), as quais não enfoco neste texto.
Assim como a internet foi um poderoso agente de transformação em nosso modus vivendi et operandi – a ponto de alguns dividirem a história em a.w. (antes da web) e d.w. (depois da web) –, muito mais disruptivo e célere será o impacto da Indústria 4.0 na vida e no trabalho. E cabe à escola preparar seus alunos para esse cenário já inserido em nosso cotidiano, dando a eles capacidades e habilidades necessárias para atender às novas demandas do mercado de trabalho.
Em outra frente, apesar de ainda encontrar resistências, já é realidade crescente no Brasil e no mundo o ensino híbrido (ou blended, ou semipresencial), modalidade que combina tanto o professor em sala de aula orientando e expondo conteúdos quanto o discente estudando remotamente em plataformas digitais.
Em nosso país, no entanto, essa pujança da EaD (rubrica na qual se inserem os cursos híbridos, pelos critérios do MEC) é mais notória no Ensino Superior, o que se constata pela quantidade de calouros da modalidade em nossas faculdades: 1,2 milhão em 2019, o que corresponde a um terço das novas matrículas, sendo as projeções da ABMES, para 2023, de equivalência à oferta presencial. Ademais, há ainda outros 5 a 7 milhões de jovens e adultos em cursos livres e de pós-graduação ofertados a distância.
Na Educação Básica, um primeiro avanço foi dado no Ensino Médio, para o qual, ao final de 2018, o Conselho Nacional de Educação determinou carga horária de até 20% a distância. Aos estudantes do noturno, até 30% e, aos da EJA, até 80%. A iniciativa é louvável, pois, no ambiente virtual de aprendizagem, desenvolvem-se características muito valorizadas no mercado de trabalho: disciplina pessoal, gestão do tempo, autodidatismo, fluência digital, foco, maturidade para não embicar para o sedutor mundo digital das redes sociais e outras distrações.
Entretanto, especialmente até o 5º ano do Ensino Fundamental, a presença afetiva e cuidadora dos professores é imprescindível para a aprendizagem dos conteúdos e desenvolvimento das habilidades psicomotoras. Nessa etapa, a tecnologia deve ter um papel mais coadjuvante por meio de jogos eletrônicos, aplicativos apropriados à idade e lousas interativas que agucem a curiosidade e favoreçam a ludicidade.
Desenvolver uma boa e universal fluência digital é cada vez mais necessário para a empregabilidade e o desenvolvimento do país. Um estudo que mensura a competitividade entre os países feito pelo IMD, conceituada escola de negócios da Suíça, coloca o Brasil na 57ª posição entre 63 economias. Esperávamos estar democratizando as oportunidades com as novas tecnologias, mas isso não está ocorrendo em virtude de nossas deletérias desigualdades sociais. Escola e governo precisam assumir as relevantes responsabilidades que lhes cabem, para que as transformações pelas quais o mundo passa sejam oportunidades em vez de obstáculos, inclusão em vez de exclusão, diminuição das desigualdades em vez da intensificação delas.
Jacir J. Venturi, autor de 3 livros e membro do Conselho Estadual de Educação, foi professor e diretor de escolas públicas e privadas.
jacirventuri@hotmail.com