Todo aquele que educa: professores, pais, tutores, responsรกveis por crianรงas e jovens, sabe o valor e a importรขncia dos sรญmbolos em nossa civilizaรงรฃo.
ร este o sentido das historinhas infantis, transmitir valores sociais e pessoais, comportamentos adequados e inadequados, importรขncias dadas a figuras รฉpicas ou caridosas. Ao longo da vida, gostamos de outras ficรงรตes, como super-herรณis ou cavaleiros andantes, contos das cruzadas ou de grandes santos, guerreiros valorosos que salvaram comunidades.
Sรฃo os sรญmbolos, muitas vezes, que transmitem conhecimento que seria tedioso ou demorado, e o fazem de forma eficiente e agradรกvel, ensinam sobre nรณs e sobre os outros. O ser humano sempre manipulou sรญmbolos, transformando inconscientemente objetos ou formas em insรญgnias, com grande importรขncia psicolรณgica. Isso remonta aos tempos prรฉ-histรณricos; temos registros deixado por proto-humanos daquilo que teve especial significaรงรฃo ou os emocionaram.
Desenhos de animais, construรงรตes, foram muitas vezes projeรงรตes do inconsciente sobre o mundo exterior, permitiam certa unidade psรญquica e exerciam influรชncia especรญfica sobre a forma de ver ou entender o mundo. Por isso muitos estudiosos e psicanalistas estudaram o tema, como por exemplo Jung, que jรก falava sobre o โressurgir de profundezas esquecidas para expressar as mais elevadas percepรงรตes da consciรชncia e as mais sublimes intuiรงรตes do espรญrito, unindo assim o carรกter singular da consciรชncia moderna com o passado milenar da humanidade.”
Mortes sรฃo muitas vezes signos dessas tomadas de consciรชncia: o assassinato mais emblemรกtico para os cristรฃos foi o que se cometeu contra Jesus Cristo, e na mesma รฉpoca os romanos executavam da mesma maneira dezenas ou centenas de outras pessoas; mas, uma รบnica crucificaรงรฃo รฉ lembrada, com a provรกvel exceรงรฃo de Dimas, somente recordado por ter participado daquela. A ninguรฉm ocorreria โrelativizarโ o horrรญvel sofrimento dos demais crucificados, tampouco a importรขncia do sacrifรญcio do Nazareno. Um homem foi assassinado, e todos os outros o foram.
Marielle Franco, Celso Daniel, Anderson Gomes, apenas alguns crimes mal contados e pior investigados. De direita ou de esquerda, nรฃo importa, foram cometidos por razรตes polรญticas ou ideolรณgicas, por que os assassinados incomodavam ou ameaรงavam os tenebrosos meandros da criminalidade brasileira.ย ย
Nรฃo รฉ possรญvel que, na segunda dรฉcada do sรฉculo vinte e um, ainda aceitemos que alguns se digam โinjuriadosโ pelo destaque dado ao assassinato de Marielle e Anderson, chegam a lembrar que na mesma semana do crime uma mรฉdica foi morta em assalto no Rio e isso โnรฃo gerou tanta mรญdiaโ. Um crime deve gerar indignaรงรฃo e nรฃo mรญdia, a divulgaรงรฃo ocorre, talvez em excesso, quando a vรญtima era pessoa pรบblica, com atividades polรญticas ou artรญsticas e, portanto muito do que acontece com ela รฉ de interesse pรบblico. Qualquer morte รฉ dolorosa para os parentes e amigos que ficam, e violรชncia de qualquer tipo รฉ condenรกvel, mas hรก casos que se tornam simbรณlicos ainda que nรฃo piores, extrapolam o simples fato.ย
Mantendo todas as proporรงรตes possรญveis e devidas, quando qualquer pessoa รฉ assassinada ou sofre uma injustiรงa, todas as pessoas, brancas ou negras, homo ou heterossexuais, de direita ou de esquerda, que foram mortas ou injustiรงadas nรฃo sรฃo diferentes.
Negar isso รฉ negar nossa cultura, jรก que sรญmbolos sรฃo o alicerce de nossa civilizaรงรฃo. O sistema educacional de um paรญs รฉ estruturado sobre a memรณria, e esta รฉ embasada nos signos culturais, na histรณria de seus fatos relevantes, nos quais sรฃo retratados os valores desta comunidade. A prรณpria escola รฉ um sรญmbolo de nosso processo civilizatรณrio, e com certeza aponta um futuro melhor com menos partidarismo e mais humanismo.
Wanda Camargo โ educadora e assessora da presidรชncia do Complexo de Ensino Superior do Brasil โ UniBrasil.
wcmc@mps.com.br