Jeanfrank T. D. Sartori*
A atual pandemia, de proporções nunca vistas por esta geração, tem promovido um inegável incremento no uso de tecnologias educacionais – ainda que com pouca inovação – o que trouxe uma certa onda de otimismo de que o processo ensino-aprendizagem, especialmente na Educação Básica, finalmente sofrerá a disrupção tão esperada e profetizada, apesar do eterno conflito entre teoria e prática. Mas transformar o temporário em perene pode não ser um caminho tão natural assim, tampouco o único desdobramento possível.
Primeiramente, há de se reconhecer que grande parte das implementações foram de improviso, à exceção de um seleto grupo de instituições. Apesar do ensino remoto na Educação Básica encontrar muitas barreiras legais no Brasil – temporariamente relaxadas, mas que possivelmente serão posteriormente restabelecidas –, o uso de grande parte de suas ferramentas de modo complementar ao ensino presencial nunca foi impedido, sendo inclusive estimulado. Ter um canal online para tirar dúvidas com os professores, disponibilizar conteúdos produzidos pelo professor (não aqueles padronizados e distribuídos pelos sistemas de ensino) e criar vídeos para tirar dúvidas mais coletivas da turma, por exemplo, nunca foram proibidos, ainda assim eram muito pouco utilizados até há poucos meses. Prevaleceu aquela triste realidade de que a sala de aula pré-pandemia em muito pouco se diferenciava daquela de 100 anos atrás: um professor, um quadro e um grupo de alunos.
De modo geral, observou-se uma corrida contra o tempo na implantação de ferramentas (curiosamente abundantes e acessíveis de longa data), treinamento de professores, orientação de pais e alunos. E tanto nas escolas públicas quanto privadas, o aspecto financeiro tem pesado. Se numa depende-se de disponibilidade orçamentária em época de redução drástica de arrecadação, na outra a pressão por descontos no valor das mensalidades e o cenário pouco previsível também limitam muito a capacidade de investimento nessa migração. Tem-se, assim, uma abordagem muito mais de apagar incêndio do que de implementações duradouras que contemplem o longo prazo.
Há de se levar em consideração ainda, como bem discutido em diversas reportagens recentes, as diferenças socioeconômicas não apenas entre os discentes das diferentes redes de ensino e escolas, mas também entre os alunos, individualmente. Nem todo estudante possui computador ou smartphone com bom acesso à internet suficiente, por exemplo, para participar de uma aula ao vivo via streaming. E as mesmas desigualdades podem ser observadas entre os docentes e técnicos, constituindo um desafio adicional.
Os efeitos dessa desigualdade são percebidos em todo o mundo, inclusive em países desenvolvidos, mas será – e já está sendo – especialmente intenso no Brasil por conta dos nossos problemas históricos. E a crise econômica que virá logo em seguida – vide a recém-divulgada queda histórica do PIB dos EUA no 1.º trimestre – tornará esse abismo maior e, por consequência, reduzirá ainda mais a capacidade de investimento das instituições de ensino públicas e privadas.
Outro fator igualmente relevante é o tema da inclusão, que ainda está longe de estar plenamente equacionado sequer na educação presencial. Aqui enfrenta-se uma quebra de rotina e do vínculo entre educando e educador, que são ainda mais importantes para esses discentes, o que torna mais difícil a busca e a efetivação de uma educação igualitária nesse cenário em que se está consertando o avião em pleno voo. Os efeitos são percebidos também em casa, uma vez que os pais nem sempre estão prontos para prover em sua completude o apoio ao aprendizado durante o isolamento. E uma situação análoga ocorre para as crianças da Educação Infantil e Ensino Fundamental I, nos quais a modalidade remota mostra-se pouco viável.
Apresentam-se, ainda, os aspectos comportamentais ligados a um status quo que envolve professores, pais, alunos e gestores escolares numa cultura organizacional – valores, crenças, rituais e normas compartilhados – que formam uma força que naturalmente resiste à mudança e tende a trazer as coisas de volta para o “normal”. E é das tarefas mais árduas a promoção de transformação daquilo que molda a forma de pensar e de agir das pessoas, sem a qual nenhuma alteração significativa do processo ensino-aprendizagem será perene.
Basta notar como não é incomum as reclamações de pais e professores frente às mudanças, muitas vezes apenas pelo fato de serem justamente alterações do modus operandi ao qual já estão habituados. Na bem da verdade, prevalece um certo desejo, explícito ou não, de que simplesmente tudo volte a ser como era antes. Cada dificuldade acaba tornando-se uma nova justificativa em vez de ser visto como um desafio a ser vencido rumo a um benefício maior.
Uma crise tão intensa e inesperada como vivemos é, de fato, uma força capaz de promover transformações. Mas para ser capaz de estabelecer, em um patamar superior, um novo ponto de equilíbrio para a Educação Básica brasileira, será necessária uma convergência de esforços, muitos dos quais infelizmente encontram-se limitados – e assim permanecerão por um longo tempo – pela própria crise, como as questões econômico-financeiras. Ironicamente, talvez se os efeitos da pandemia se prolongarem por mais tempo do que o atualmente previsto, como a necessidade de manutenção do isolamento social e a suspensão das aulas, aumentem as chances de uma consolidação de ao menos parte dessas mudanças.
*Jeanfrank T. D. Sartori, mestre em Gestão da Informação (UFPR), especialista em Inteligência de Negócios e bacharel em Administração (UFPR), atua no setor de Controladoria Acadêmica e Qualidade do Grupo Positivo em Curitiba/PR.