Pandemia versus economia

Pandemia versus economia

ย por Celso Clรกudio de Hildebrand e Grisi *

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Definitivamente a pandemia nรฃo deixou ninguรฉm de fora. Espalhou-se por todo o mundo, produzindo os piores efeitos sobre as economias nacionais e, de resto, em toda economia mundial. Os estudos prospectivos desenham para 2020 uma reduรงรฃo substancial do PIB global e o aprofundamento da recessรฃo econรดmica mundial. Para reduzir as infecรงรตes e as taxas de mortalidade, foram adotadas medidas de distanciamento social, agravando fortemente os hรกbitos de consumo das populaรงรตes, bem como as estruturas produtivas de todos os paรญses. Como corolรกrio dessa situaรงรฃo, disseminam-se, no plano econรดmico, efeitos financeiros e comerciais.

Aos governantes e ร  sociedade em geral tem parecido lรณgica a ideia de enfrentar as dificuldades econรดmicas, sem comprometimento do distanciamento social, entendido, atรฉ o momento, como a รบnica forma de garantir que as populaรงรตes consigam se servir da infraestrutura dos serviรงos mรฉdicos. A precedรชncia da vida em relaรงรฃo a economia รฉ uma sรกbia decisรฃo, marcada pelo humanismo dessa escolha.

A vida perdida nรฃo se recupera. Ela รฉ รบnica. Refere-se ao ser que a possui. Nรฃo รฉ disponรญvel ao arbรญtrio alheio. Sobre ela nรฃo cabem negociaรงรตes. Quanto a economia, รฉ possรญvel recuperรก-la, em maior ou menor tempo. Como jรก disse alguรฉm, o que destrรณi o desempenho da economia รฉ a pandemia. As medidas para o controle da propagaรงรฃo do vรญrus preservam as condiรงรตes para sua recuperaรงรฃo.

A pandemia tem existรชncia no plano ontolรณgico. A รฉtica, recorrendo a Kant, sustenta-se no mundo doย dever ser. Pauta-se por um imperativo categรณrico, que implica a auto coerรงรฃo, nascida da razรฃo como prรกtica moral, exclusiva aos homens em suas aรงรตes. Estas devem orientar-se de modo a desejar que a regra se transforme numa lei geral, aplicando-se a mim e a todos os outros homens, sem exceรงรตes.

Esse episรณdio pandรชmico, expรดs a vulnerabilidade dos sistemas de saรบde em todo o mundo e inspirou reflexรตes รฉticas sobre premissas para construรงรฃo de novas polรญticas pรบblicas.

Os problemas econรดmicos surgidos da pandemia encontram sua origem numa combinaรงรฃo simultรขnea de variรกveis restritivas ao funcionamento da produรงรฃo e do consumo:

  1. Interrupรงรตes de fornecimentos, criando vazios produtivos nas cadeias nacionais e globais de valor;
  2. Aperto significativo nas condiรงรตes financeiras mundiais, decorrente do aumento dos riscos nos ambientes de negรณcios;
  3. Queda das receitas das empresas, excetuadas apenas aquelas cujo contato humano foi substituรญdo por interaรงรตes virtuais;
  4. Aumento na incerteza do setor privado, reduzindo os investimentos e os nรญveis de empregos;
  5. Queda acentuada nos rendimentos domรฉsticos, adicionada de uma atitude defensiva nas atividades de consumo pessoal e familiar;
  6. Queda nos preรงos internacionais das commodities;
  7. Bloqueios rigorosos no trรขnsito de mercadorias e pessoas;
  8. Aumento das medidas protecionistas;
  9. Reduรงรฃo do comรฉrcio global;
  10. Incertezas sobre o nรญvel de investimento do setor privado;
  11. Incerteza sobre o comportamento dos governos em relaรงรฃo a capacidade de conter os efeitos negativos da reduรงรฃo da renda disponรญvel, em funรงรฃo da situaรงรฃo fiscal de cada paรญs.

 

O resultado final, na vida econรดmica do mundo, pode ser sintetizado na tabela seguinte:

 

Previsรฃo para o PIB Mundial e das principais economias โ€“2020

 

ย  2020 2021 2022
Mundo -4,7 2,6 2,9
Economias Avanรงadas -7,2 5,9 4,2
Economias em Desenvolvimento -2,7 -1,1 6,3
Estados Unidos -6,9 4,5 3,2
Zona do Euro -8,6 4,6 3,5
China 0,5 8,3 6,4

Fonte: Relatรณrio da Euromonitor, de junho de 2020

 

O Brasil estรก ร  beira da recessรฃo, e submetido ร  conhecida fragilidade de sua capacidade de recuperaรงรฃo econรดmica. Sua economia, por si sรณ, encontrava-se muito anรชmica antes da COVID โ€“ 19 e, nesse instante, estรก amplamente afetada pela pandemia, com mais de 1.630.000 casos e mais de 65.000 mortes.

O surto forรงou o fechamento das cidades, com a decorrente queda da demanda domรฉstica que, por sua vez, amorteceu a inflaรงรฃo. Disso o Banco Central do Brasil se aproveitou para reduzir sucessivamente a taxa bรกsica de juros de nossa economia, mas consciente sobre a continuidade dessa polรญtica, uma vez que os instrumentos monetรกrios estรฃo muito perto de seu limite. O COVID โ€“ 19 tambรฉm impediu a continuaรงรฃo das reformas.

Mesmo assim, a economia brasileira deve voltar a crescer no ano que vem, mas em ritmo bastante incerto. A instabilidade do ambiente polรญtico talvez seja a maior inimiga do crescimento esperado. A ela se seguem os problemas relativos ร  polรญtica fiscal que venha a ser adotada. Esses dois elementos condicionarรฃo o nรญvel de investimento em nossa economia. Reduรงรตes das incertezas, sejam jurรญdicas, fiscais ou polรญticas contribuem para a elevaรงรฃo dos nรญveis de confianรงa e, portanto, dos investimentos pรบblicos e privados, nacionais e internacionais.

Hรก ainda que considerar que a velocidade da recuperaรงรฃo da atividade econรดmica dependerรก da efetividade das polรญticas econรดmicas mitigadoras dos efeitos da pandemia, que sejam adotadas no Brasil e no mundo, bem como de um avanรงo no controle da pandemia. Essas sรฃo duas condiรงรตes necessรกrias ร  retirada gradual das medidas restritivas.

O custo em termos do PIB brasileiro nรฃo serรก pequeno, mesmo admitindo que as medidas mitigadoras sejam bem-sucedidas. As falรชncias, as recuperaรงรตes judiciais e as demissรตes continuam crescendo e ameaรงando a velocidade e a convicรงรฃo sobre uma rรกpida recuperaรงรฃo.

Na รกrea da saรบde, as necessidades sรฃo sempre maiores que recursos disponรญveis. Talvez por isso, a telemedicina venha ter no futuro uma relevรขncia maior dentro da atenรงรฃo primรกria a saรบde, deixando ร  margem as resistรชncias de mรฉdicos e seus pacientes.

Esses รบltimos meses foram prรณdigos em nos oferecer grandes liรงรตes. Entre elas, aprendemos que a saรบde nรฃo pode ser considerada como um gasto ou dispรชndio nas contas pรบblicas. Antes de tudo, as premissas รฉticas futuras revelam que os investimentos em saรบde sรฃo elementos essenciais na construรงรฃo do capital humano de nosso paรญs.

* Celso Clรกudio de Hildebrand e Grisi รฉ economista, professor da Faculdade da Economia, Administraรงรฃo e Contabilidade da Universidade de Sรฃo Paulo e Presidente do Conselho de ร‰tica, do Instituto de ร‰tica Saรบde

 

 

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